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Que significa, hoje, a palavra sinodalidade?

1. As palavras também têm vida, têm história e tempo de duração, o que significa que, ao fim de algum tempo, mudando o contexto psicossocial social, perdem o seu valor significante e caem em desuso. Assim aconteceu com a palavra sinodalidade. Como podemos, então, hoje, recuperar existencialmente o significado dessa palavra? Recriando e actualizando a sua história. Historicamente, esta palavra está associada ao status eclesiástico do clero, como classe dirigente da igreja, que se reunia para tomar decisões doutrinárias e administrativas para todo o povo. Nessa altura, isso era sociologicamente compreensível porque só a elite do clero tinha instrução. O povo esse apenas assistia e obedecia… A igreja católica organizou-se administrativamente em duas classes sociais, clero e leigos, sendo o clero a classe dirigente e a única que tinha (tem) voz activa. O estatuto sócio-religioso do clero nasce com a determinação política do Imperador Constantino de o cristianismo passar a ser a religião oficial do estado e os poderes de Sumo Sacerdote, até então atribuídos ao imperador romano, passarem para o bispo de Roma, chefe da igreja. Os outros bispos passam a ser gestores religiosos das províncias, denominadas dioceses, associando a si, muitas vezes, também poderes políticos: daí o uso de títulos nobiliárquicos, brasão senhorial, tratamento de “Dom” antes do nome, adereços feudais... Estes, por sua vez, nomeiam os párocos, sob a sua dependência, para presidir às paróquias das suas dioceses. E assim foi evoluindo a gestão do poder da classe do clero na igreja, tornando-se efectivamente o dono da igreja e perpetuando-se como classe dominante. Daí nasceu o clericalismo, hoje considerado um cancro no seio da Igreja. E o anticlericalismo, como reacção. 2. Hoje, porém, a situação da instrução do povo mudou, mas o distanciamento entre povo e clero aumentou. A realidade mostra que a igreja deixou de motivar as pessoas, o povo afastou-se, o clero não fala a linguagem do povo, usa uma simbologia que perdeu sentido, as igrejas ficam vazias, as práticas religiosas deixaram de interessar, os homens chamam catedral ao estádio de futebol, os jovens ignoram a religião, o clero que resta vai andando de um lado para o outro a abrir e fechar capelas, fingindo que ainda tem poder sobre um reino que está em autopenia... Silenciosamente, o povo vai dizendo que quer uma igreja participante e corresponsável, não uma igreja de cinzas de rotinas e dividida em classes, mas uma igreja com o fogo renovador do Pentecostes. Como bem disse o Papa, “antes de começar a caminhada sinodal, devemos conservar as cinzas ou conservar o fogo?”. Esta crise de abandono da igreja é sobretudo acentuada na Europa. Perante isto, que fazer? De várias pessoas ouvi que é preciso reinventar o espírito participativo e activo da igreja a partir da dinâmica do pequeno grupo. 3. Para isso, o Papa fez um apelo a todos os crentes e homens de boa vontade para apresentarem as suas sugestões para renovar a igreja e criar um novo movimento de aproximação e comunhão, uma nova evangelização. Todas as dioceses foram convidadas a dinamizar este movimento de reflexão e de corresponsabilização. Chamou a esse movimento o nome de sinodalidade, palavra que deriva de sínodo, caminhar juntos por uma nova dinâmica da Igreja. Porém, já se verificou que não é possível caminhar juntos a partir das tradicionais instituições da classe clerical, que estão em extinção: os seminários fecham, não têm padres para nomear para as paróquias (conheço um caso que tem 32 paróquias a seu cuidado), os conventos esvaziam-se, os escândalos de pedofilia todos os dias são notícia na comunicação social (associados à negação da sexualidade, com o celibato e a virgindade erigidos em castas consagradas superiores em virtude aos outros)… É urgente repensar o celibato obrigatório e reabilitar a imagem da sexualidade, inscrita no coração da criação... É preciso reinventar novos caminhos e novas instituições. O jornal digital Sete Margens fez um trabalho notável sobre este assunto da sinodalidade. Pediu aos seus leitores testemunhos e sugestões e publicou uma extensa lista de sugestões para renovar a imagem e a prática da Igreja, propondo novas formas de participação dos cristãos na vida da igreja e novas formas de liderança. Como seria de esperar, o clero ficou com receio de perder status e poder na administração da igreja; mas, perante a inevitabilidade de este movimento voltar atrás, começou a esboçar-se uma reacção defensiva curiosa: se é preciso caminhar juntos, pois então venham daí e vamos todos juntos… Eu continuo a ser o vosso chefe “consagrado” e vocês seguem-me… E assim tudo continuaria como dantes. Não pode ser. É preciso sair de dentro dos templos do passado e ir viver e sentir com o povo. O líder tem de estar com o grupo. A classe sócio-religiosa que se pretende “consagrada” perdeu significado (consagrar quer dizer descobrir um novo sentido para a vida). A grande consagração é o bapismo e nada se lhe sobrepõe.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
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7 novembro 2021