1. Que Igreja para este tempo?
Esta é uma pergunta que tenho ouvido fazer a propósito da sacudidela do coronavírus.
Que igreja?
A resposta é simples de formular. Quanto a concretizar…
Não penso noutra que não seja a de Jesus Cristo.
2. Quando orava diante de um Crucifixo na igreja de S. Damião, em Assis, Francisco ouviu Cristo pedir-lhe que reparasse a Sua Igreja. É muito possível que, através do abanão provocado pelo coronavírus, Jesus dirija idêntico pedido aos cristãos de hoje: reparai a minha Igreja; reparai a Igreja em que tendes vivido; convertei-a naquilo que deve ser.
3. Reparar a Igreja de Jesus Cristo leva-me a reabrir os «Atos dos Apóstolos» e a pensar numa comunidade cristã modelo: a de Jerusalém.
Transcrevo:
(Os discípulos de Jesus)«eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações. (…)Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum.Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração.Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo» (2, 42-47).
Mais à frente(4, 32-35) pode ler-se narrativa semelhante.
Será muito utópico desejar que a Igreja de hoje se tente aproximar do estilo de vida daquela comunidade modelo?
Não ignoro que logo no princípio houve a aldrabice de Ananias e de Safira (5, 1-11). Houve a queixa dos helenistas contra os hebreus porque as suas viúvas eram discriminadas (6, 1-6). No entanto, mantenho a pergunta.
4. Viver a verdadeira igreja de Jesus Cristo é ter a coragem de regressar às origens. De a libertar de tudo o que a desfigura.
A Igreja de Jesus Cristo é uma verdadeira comunidade de irmãos onde todos beneficiam do mesmo estatuto. Uma igreja simples e nada faustosa. Uma Igreja despida de privilégios e de mordomias, de fardetas e de penduricalhos. É uma Igreja verdadeiramente serva, muito atenta à sorte dos mais pobres e dos mais fragilizados.
5. É uma Igreja onde o amor e o perdão são moeda corrente. Que tem a consciência de ser santa e pecadora, sempre a caminho da purificação. Sempre com o cuidado de pôr em prática a doutrina que prega e de evangelizar mais com a vida dos seus membros do que com as palavras. Uma Igreja que sabe ir ao encontro dos que dela se afastaram porque nela não viram a Igreja de Jesus Cristo.
Uma Igreja onde clérigos e fiéis leigos têm missões concretas a desempenhar sem se sobreporem ou atropelarem. Uma Igreja mais transparente e menos misteriosa.
É uma igreja verdadeiramente sinodal, onde o diálogo é avenida de dois sentidos e não afunilada artéria de sentido único a funcionar de cima para baixo. Onde o diálogo não consiste em informar, quando convém, de decisões que se tomaram.
6. É uma Igreja preocupada com os bens materiais tanto quanto baste para o cumprimento da sua missão.
Uma Igreja liberta de burocracias dispensáveis, de negócios e de compadrios, onde a cobrança de taxas e de impostos tem um papel secundário.
Uma igreja que dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Onde a caridade não substitui a prática da justiça e retribui condignamente o trabalho dos seus servidores.
É uma Igreja mais preocupada com a vivência do Evangelho do que com o espetáculo. Atenta mais às pessoas do que às coisas. Onde as coisas estão ao serviço das pessoas.
7. Reparar a Igreja de Cristo é tarefa que todos os cristãos devemos assumir.
Dêmo-nos as mãos para, destemidamente, revermos o que deve ser revisto, melhorarmos o que deve ser melhorado, eliminarmos o que deve desaparecer.
Autor: Silva Araújo
Que Igreja?

DM
23 abril 2020