O poder local, para o bem e para o mal, tem sido o principal artífice do desenvolvimento em cada parcela do território. Por muito que a administração central reclame para si um papel no pódio, a gestão de proximidade ganha-lhe aos pontos, conferindo-lhe um estatuto que merecia mais e melhor. É verdade que a imagem que tem transparecido para as cidadãs e cidadãos, esbarra com um passado caciquista, pouco transparente, ainda hoje, e avesso a novas formas de democraticidade que elevem a Democracia participativa a um estatuto ainda não alcançado no nosso país.
O balanço que se pode fazer até hoje é mais positivo que negativo em todas as dimensões da sua intervenção, mas há, na sua evolução, razões para acreditar na crescente debilidade da sua autonomia económico-financeira. As razões são múltiplas, conhecidas, frequentemente debatidas e devem ser lidas à luz de uma velha tradição republicana que estratifica o poder, sem lhe reconhecer os méritos necessários à sua operacionalidade como deveria acontecer, como deveria ser e dificilmente será quando olhamos para a cómoda visão do resto do país pelos olhos de quem gosta de gerir Portugal sentado, ou até mesmo de pé, mas de forma cega, tendo o Tejo como ponto de partida e de chegada. A esta visão pequena do território, têm-se oposto e bem os autarcas, cuja demanda, reconhecida por todas e por todos, quebra quando devia ser única, desorienta-se no tabuleiro dos jogos do contrapoder e perde-se, muitas das vezes, em questões secundárias por via da ciumeira ou da imobilização dos seus pares. O aparente divórcio de alguns autarcas, incluindo o independente do Porto, Rui Moreira, da Associação de Municípios, releva esta questão, na medida em que se apresenta como vítima ou mesmo tempo que faz o papel de vilão com a região do Norte, procurando imitar Lisboa na sua visão pouco integrada do território e muito centrada nas suas necessidades locais. Talvez, por isso, rui Moreira, é apenas presidente da Câmara do Porto e nada mais, o que é muito pouco para quem tinha pretensões a liderar a frente da insatisfação com naturalidade. Com ele, e ainda sem decisão, estão solidários meia dúzia de autarcas que timidamente lhe acenaram com a solidariedade, mantendo-se o grosso dos 308 municípios unidos em torno de uma Associação, cujo pergaminho ostentado orgulhosamente, afirmava a união das autarquias, independentemente de opiniões diversas. Rui Moreira quebrou essa unidade e provavelmente, partirá para negociações bem mais difíceis do que aquelas que se perspetivam a breve prazo entre governo e Associação de Municípios. Pior só mesmo a falta de coragem para colocar no tabuleiro da negociação, uma das questões fundamentais: a justa redistribuição dos impostos que continua por cumprir-se na sua plenitude. Neste capítulo, as autarquias têm boas razões para reclamar por uma melhor afetação dos recursos do país e, apesar de não haver nenhuma iniciativa nesse sentido, há muito que deviam reclamar que os impostos das empresas deveriam ser pagos na origem da produção e não onde estão instaladas as sedes. Convenhamos: ver autarquias como Lisboa ou Cascais, com um volume de arrecadação de impostos muito superior ao que lhes é devido, por via administrativa, há muito que deveria ter sido anulado e, no entanto, ninguém, publicamente, parece preocupado com esta injustiça fiscal. Esta é apenas uma das muitas questões que desequilibram a balança na relação entre poder local e administração central. O facto de vivermos no século das cidades e do aprofundamento da sua importância para responder aos grandes desafios da humanidade, ser hoje, com naturalidade, uma questão consensual, em Portugal, temos um jeitinho especial para deitar fora as oportunidades. Continuamos a gostar muito de olhar para o umbigo e a tratar da nossa vidinha, como se não houvesse mais nada em redor. Assistimos, por isso, penosamente, à engorda dos deveres locais sem a necessária contrapartida dos direitos. Faria toda a diferença se percebêssemos isto de forma pragmática e clara para todas e para todos. Não parece ser esse o rumo e Rui Moreira acaba de dar um enorme contributo para a desvalorização do poder dos autarcas quando se divorciam de uma visão estratégica e integrada dos problemas comuns.
Autor: Paulo Sousa
Quanto vale o poder local?
DM
5 junho 2022