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Quando a oposição perde o poder

Claro que ainda não aconteceu, mas já é quase certo que a oposição o perderá. Pode dizer-se que ninguém perde o que não tem e se os partidos que têm estado longe de governar o país não têm riscado nada também não têm que temer perdas. E isso é verdade. No entanto, como a democracia facilita a alternância, era expectável que a conjuntura de crise provocada à esquerda pudesse potenciar a abertura do poder ao centro-direita.

A iminente dissolução do Parlamento tem responsáveis. O partido socialista e os seus parceiros não chegaram a acordo para a aprovação do Orçamento de Estado e todos são responsáveis pelo chumbo, se bem que a responsabilidade maior possa ser atribuída ao Partido Socialista. Era este, através do Governo, que preparou o documento e o queria aprovado, que deveria convencer suficientemente os parceiros a darem-lhe o suporte necessário na votação decisiva. No entanto, os bloquistas e comunistas não chegaram a entendimento com os socialistas.

O centro-direita tinha aqui, pelo que aconteceu, a sua oportunidade. Está a perdê-la. Acho, mesmo, que já a perdeu. Em lugar de se concentrar no essencial, no objectivo colectivo, está a perder-se nos interesses de facção. Num e noutro dos ainda maiores partidos da oposição apanha-se lenha, não para alimentar um lume novo, mas para incendiar a situação, quando era altura de apostar na conquista do poder e ganhar as chaves da governação. Não se notou, nem nota, apesar das dificuldades, uma atitude de desprendimento e solidariedade como a da viúva de Sarepta. Pelo contrário. Os protagonistas políticos que entraram em cena não se candidataram para “apanhar dois cavacos de lenha”para uma ceia solidária, mas para queimarem os actuais líderes e tomarem os seus postos de comando.

A ocasião faz o ladrão, costuma dizer-se. No país, a conjuntura de crise política acicatou os entusiasmos e a oportunidade fez surgir duas personalidades decididas a protagonizar com estrondo a onda favorável, afirmando-se diferentes, com soluções internas e para o país, únicas. Fizeram-no já não com o uniforme de militantes de base, mas de peito feito, relevando altivez que antes moderavam. Os novos candidatos, com história nos respectivos partidos, estão longe, no entanto, de ser profetas e falta-lhes a humildade dos verdadeiros servidores. Ainda se a manifestação da sua disponibilidade tivesse acontecido em momento em que não havia cheiro a poder!… Pessoalmente, não confio em nenhum deles como a viúva de Sarepta confiou em Elias.

É verdade que as suas candidaturas são legítimas, mas isso não impede que se desconfie das mesmas. Não apenas pelas circunstâncias em que apareceram – cheirava a poder –, mas também pela sede com que chegaram. E ainda pelo uniforme que vestiam no regresso de Estrasburgo: vestes de salvador para cativar os militantes ansiosos e famintos de resultados eleitorais que dessem acesso ao poder, mas que não lhes assentava na história. Fica a convicção de se tratar de um assalto rápido e oportunista às instâncias que poderiam colocá-los em condições para chegarem aos lugares de decisão.

É nestes momentos que cada um mostra quem é e que mostra a sua real identidade. As contendas em curso nos dois maiores partidos da oposição – CDS e PSD –, que não estavam preparados, acabam por pôr em causa a natural tentativa destes partidos acederem ao governo do país. Não se pode ter sucesso na frente externa quando as energias se esgotam todas na luta fratricida, na ânsia de protagonismo e com indiferença relativamente à possibilidade das diligências serem individuais ou de facção.

A oportunidade para que o centro-direita afirme um potencial primeiro-ministro está a esfumar-se. Há quem defenda, nesta geografia política, o voto útil no PSD. Será razoável este posicionamento? Tenho dúvidas, mas aceito a justificação: no caso desta força partidária ser a mais votada, seria dela a sair o chefe do Executivo. Entendo, no entanto, que a actual oposição já perdeu essa possibilidade ao deixar-se enredar em questões internas.


Autor: Luís Martins
DM

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9 novembro 2021