Acontece frequentemente com as catástrofes naturais ou humanas (atentados, terramotos, acidentes rodoviários, incêndios...) esta dececionante realidade: mobilizam-se os meios possíveis, lamenta-se o acontecimento, avançam-se apoios de toda a ordem, fazem-se promessas, promovem-se inquéritos para apuramento de responsabilidades, fazem-se belos discursos de circunstância; mas, depressa, se calam os media, secam as lágrimas, não aparecem culpados, viram-se as costas ao sucedido e venha lá outro cataclismo para entreter a malta.
Penso que a tragédia de Pedrógão Grande de 17 de junho com dezenas de mortes, salvo raras exceções, já caiu no alheamento coletivo; e àquelas povoações que o fogo devorou e lançou no desespero, na raiva e no luto, apenas, vai restando a resiliência de não baixarem os braços e lutarem, quase sozinhas, pela reconstrução das suas vidas.
Agora que o país meteorológico entrou no outono e caminha para o inverno a passos largos, obviamente que os incêndios florestais cessam; e, ao mesmo tempo, as consciências apaziguam como por desobrigação, até que o calendário traga de novo o verão e com ele o desassossego e o despertar nacional.
Mas, porque o futuro se prepara ontem, é tempo de refletirmos, de tomar decisões e de aplicar medidas que travem a tragédia que, ano a ano, se abate sobre a mancha florestal; e, para o avivar da memória coletiva, é útil lembrar que, nos últimos anos, 26% do território nacional ardeu — triste realidade que nos envergonha e avilta face aos países vizinhos com clima idêntico ao nosso e livres de tamanho flagelo.
Todavia, o mais importante e urgente é avaliar e discutir as causas desta tragédia nacional e decidir pelos meios de lhe pôr cobro; a saber:
– Os pirómanos que têm sido presos e entregues à justiça são postos em liberdade na maior das impunidades; ora, o que devia ser feito era, ante da chegada da época dos incêndios, controlá-los e, até, privá-los de liberdade;
– As indústrias que beneficiam com este flagelo, através de lucros fáceis e avultados, devem ser vigiadas e investigadas, como sendo partes interessadas no assunto;
– As forças que combatem os incêndios, na maioria dos casos, para além de mal equipadas e preparadas, não têm sido suficientemente coordenadas, agindo mais em obediência ao comando local do que ao distrital ou nacional;
– As comunicações que são órgãos vitais nesta problemática falham com frequência nos momentos cruciais que precedem e acompanham o combate aos incêndios o que leva à perda de vidas e de bens materiais com mais facilidade;
– O ordenamento do território e a limpeza da floresta é um dos primeiros fatores de êxito na prevenção dos incêndios; e, neste particular, os governos locais, regionais e nacionais que deem o exemplo limpando o que lhes pertence e não, apenas, obrigando os particulares a fazê-lo quantas vezes sem meios materiais e económicos;
– Finalmente é necessário incentivar os proprietários das florestas a limpá-las: e que não seja somente pelo rigor e inflexibilidade legal, mas com ajudas económicas e fiscais; e mais importante seria o aproveitamento dos lixos que se retiram da limpeza da floresta, criando, nas localidades, centrais de biomassa que aproveitem e transformem os resíduos, por exemplo, em energia; e, aqui, os proprietários tinham bem perto quem deles tomasse conta e, até, lhes pagasse pela entrega.
Pois bem, ideias parece que não faltam e soluções também: e, apenas, será tudo uma questão de vontade e ação política por parte de quem manda e governa.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Quando a floresta arde

DM
11 outubro 2017