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QUALIDADE, QUANTIDADE E VELOCIDADE

Que a quantidade é inimiga da qualidade – toda a gente sabe e toda a gente diz. Que a velocidade também seja inimiga da qualidade – serão menos a sabê-lo e ainda menos a dizê-lo. E que as duas – quantidade e velocidade – se possam coligar contra a qualidade – serão poucos a imaginá-lo. Mas acontece.

Segundo declarações recentes do actual Ministro do Ensino Superior, Prof. (!?!) Manuel Heitor, o Governo estará a pensar criar cursos de Medicina Geral e Familiar abreviados e simplificados para satisfazer, rapidamente, a falta generalizada de médicos daquela especialidade. E – acrescentou o Ministro – esse seria mesmo o caso do ensino no Reino Unido onde o curso de Medicina Geral e Familiar é, disse, mais curto e simples do que qualquer outra área médica.

O que está por trás deste possidónio projecto – o ministro não o disse. Mas percebe-se. Num país onde milhares (ou milhões?) de cidadãos continuam sem médico de família, porque centenas de Centros de Saúde se debatem com a falta de médicos daquela especialidade – e que são a sua «matéria prima»; onde os concursos para o preenchimento de vagas nos mesmos Centros ficam desertos por falta de incentivo remuneratório; onde os médicos fogem do sector público para o privado – que fazer?

«Fabricar», à pressa, uns milhares de «médicos de aviário», inundar, com eles, o mercado de trabalho e criar, assim, um espectro de desemprego que os leve a aceitar as condições indignas que o Serviço Nacional de Saúde lhes oferece nos Centros de Saúde. Que, assim, ficariam «providos» de «médicos de segunda». E nós, utentes, «servidos» com eles.

Como era de esperar, o anúncio do projecto levantou um indignado protesto da classe médica em geral e, em particular, dos especialistas em Medicina Geral e Familiar que o Ministro desrespeitou, considerando-os «médicos menores». E da Associação Médica do Reino Unido veio mesmo um desmentido ao paralelo com o seu ensino da Medicina que o Ministro, abusivamente, usou (a enormidade era tão grande que até lá chegou).

Do acerto ou desacerto «científico» da ideia não vou falar – para não cair no mesmo erro do senhor Ministro. Mas o desacerto pedagógico - eu, velho professor do Ensino Público – não vou calar.

É um lugar-comum entre nós, acriticamente repetido, que «actualmente Portugal tem a geração mais bem preparada de sempre» (os apóstolos deste engano costumam dizer «melhor preparada»). Não é verdade! Temos é a geração mais diplomada de sempre – o que é completamente diferente.

Já aqui o escrevi e hoje repito-o: a quantidade de diplomados nada (ou pouco) tem que ver com a respectiva qualidade. O sacrifício desta em benefício daquela – e da velocidade com que se obtém um diploma – é um cancro desde há muito instalado em todo o sistema de Ensino em Portugal – do primário ao superior.

Se eu precisasse de um exemplo para ilustrar esta tese que defendo, que mais paradigmático poderia eu arranjar do que este mirífico projecto pedagógico em que a quantidade e a velocidade se sobrepõem ministerial e olimpicamente (ou ignaramente?) à qualidade?

E, falando da qualidade dos nossos diplomados … não me falem das excepções! Apenas confirmam a regra!

Nota: por decisão do autor, o presente texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.


Autor: M. Moura Pacheco
DM

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8 setembro 2021