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Propostas para o século XXI

Oque pensar e fazer neste tempo repleto de ameaças globais? Quem já, alguma vez, formulou esta questão beneficiará com a leitura de Sobre a Tirania – Vinte Lições do Século XX, recentemente editada pela Relógio d’Água. Das lições ensinadas pelas principais tragédias do século XX, Timothy Snyder, historiador e professor na Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América, extrai propostas de orientação muito concretas ou, se se preferir, vinte convocações para agir com discernimento no século XXI. Talvez duas ou três lições possam ser consideradas especificamente direccionadas para proveito dos leitores do país chefiado por Donald Trump, mas a maioria a todos serve. “Não obedeças por antecipação”, diz a primeira lição. “Opõe-te”, afirma a oitava. Os conselhos são mais construtivos do que reactivos. “Defende as instituições”, propõe um. “Responsabiliza-te pela face do mundo”, aconselha outro. “Contribui para boas causas”, preconiza um terceiro. As vinte exortações são assaz diversificadas. Tanto podem sugerir que a ética profissional seja lembrada como que a calma seja mantida quando o impensável acontecer. Para enfrentar a disseminação de mentiras, procedimento tão usado em favor de tiranias de distintas tonalidades, há recomendações simples de enorme utilidade: “Estima a nossa linguagem”, “Acredita na verdade”, “Estabelece uma vida privada”. “Olharmos fixamente para ecrãs poderá ser inevitável, mas o mundo bidimensional pouco sentido faz se não nos conseguirmos socorrer de um arsenal mental que possamos ter desenvolvido anteriormente noutras circunstâncias”, escreve Timothy Snyder na lição em que pede que se cuide da linguagem, evitando repetir as palavras e as frases que surgem nos media. O papaguear – essa ausência de voz própria – reflecte a inexistência de uma visão mais ampla das coisas, explica o historiador. Essa necessária perspectiva requer mais conceitos “e ter mais conceitos à nossa disposição requer leituras”. Daí a sugestão: “livra-te dos ecrãs que tens no quarto e cerca-te de livros”. Na lição “Investiga”, Timothy Snyder chama a atenção para a responsabilidade que cada um tem perante a noção de verdade. “Se estamos realmente determinados a procurar os factos, cada um de nós tem a possibilidade de provocar uma pequena revolução no modo como a Internet funciona. Se decidiste averiguar as informações por ti mesmo, é certo que não irás enviar notícias falsas a outras pessoas. Se optaste por seguir o trabalho de repórteres que consideras merecedores da tua confiança, poderás assim transmitir os seus conhecimentos aos outros. Se republicares no Twitter apenas as informações resultantes do trabalho de seres humanos que respeitaram os protocolos jornalísticos, menos provável será que acabes por conspurcar o teu cérebro com bots [aplicações concebidas para automatizar procedimentos, simulando acções humanas com objectivos frequentemente fraudulentos] e trolls [tipos que apenas insultam ou provocam]”. “Não te esqueças de que os e-mails são como as mensagens de fumo no céu”, previne o historiador na lição em que defende a importância da privacidade, advertindo ainda para a conveniência de as conversas pessoais se terem presencialmente. As precauções impõem-se porque os mais implacáveis são capazes de usar perversamente a informação de que dispõem sobre a vida privada dos que pretendem dominar. “Estabelece uma vida privada”, portanto. A muitos a incitação poderá não parecer relevante, mas Timothy Snyder, recordando o ensinamento da filósofa Hannah Arendt, explica que o totalitarismo emerge quando a diferença entre vida privada e vida pública é inexistente. Sobre a Tirania – Vinte Lições do Século XX fornece um acessível antídoto contra os abundantes totalitarismos larvares, contra tantas pequenas e grandes tiranias que a todos ameaçam.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
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15 outubro 2017