Continua em ritmo acelerado e inusitada audiência, a contagem decrescente para as próximas eleições legislativas.
Com uma semana pela frente, atenta-se ao habitual rol de acções de campanha, em grande catadupa, quase a sobrepor-se às constantes notícias e pseudonotícias sobre o período pandémico que atravessamos.
Os cartazes pendurados, as bandeiras desfraldadas ao vento, o fervilhar das redes sociais, as caravanas que passam em alto e bom som, as parangonas em alguns circos mediáticos de imprensa sensacionalista…
Actores políticos lançados numa senda desenfreada por fazer prevalecer as suas ideias e pontos de vista, sustentados essencialmente em sound bytes tão chamativos quanto, não raras vezes, banais e superficiais.
Mais de três dezenas de debates televisivos com audiências assinaláveis vieram demonstrar que, afinal, os Portugueses parecem interessados em conhecer as propostas dos diferentes quadrantes políticos sobre os temais que mais impactam o seu quotidiano.
À cabeça, sem qualquer dúvida, o tema da Saúde, classificado como um dos mais relevantes e de maior sensibilidade para os portugueses.
Talvez porque, parafraseando o humor médico do Dr. Eduardo Barroso, “ter saúde é um estado transitório que não augura nada de bom…” reforce essa sensibilidade e, acrescentaria, preocupação, sobre a forma como são cumpridas as funções essenciais do Estado na prossecução do objectivo maior: garantir o acesso, universal e de forma tendencialmente gratuita, aos melhores cuidados de saúde.
Da análise das propostas plasmadas nos vários programas eleitorais dos diferentes partidos políticos, resultam acções e valores muito díspares. No entanto, há um ponto absolutamente convergente em todos eles: são unânimes na necessidade de “salvar”, “reestruturar” ou “resolver os problemas” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do seu percurso de acelerada degradação. Diferenças meramente semânticas para um problema comum e evidente.
Diria que esta convergência, por si só, não deixa de ser positiva e acalenta-nos a esperança de uma mudança que vise acautelar e assegurar a melhoria e a sustentabilidade de um sistema que muito prezamos.
Já no que concerne às formas e procedimentos como cada um dos partidos políticos se propõe resolver, ou pelo menos mitigar, esta problemática, constata-se que as direcções e iniciativas variam de tal forma, que seria manifestamente inexecutável elencá-las com detalhe em tão exíguo foro.
Conhecendo-se, de antemão, as acentuadas diferenças ideológicas, que vão desde a defesa, pelos partidos à esquerda no espectro político, de um modelo exclusivamente público e com aumento crescente da dotação financeira, à defesa, pelos partidos de centro/direita de um modelo (essencialmente) misto, resulta da análise dos seus diferentes programas, a parca, ou até ausência, de referências aos complexos temas estruturais da desejada reforma na saúde, nomeadamente sobre os modelos de governance, assim como dos intrincados processos de decisão que envolvem o trinómio política/técnica/financeira. Ainda, e não menos relevante, a falta de discussão sobre os inerentes modelos de responsabilização (accountability) dos gestores desta causa pública.
Foram, com veemência, despejados vários indicadores de produtividade (nºs de consultas, n.ºs de cirurgias, etc.), classificando-os como vitórias maiores de um sistema já em agonia (se assim fosse, o número de portugueses com necessidade de recorrer a um seguro de saúde seria certamente menor), sem cuidar de se avaliar e enunciar os necessários indicadores de qualidade.
E muito mais aqui poderia ser enunciado: os cuidados de saúde primários e a escassez de médicos de família há muito prometida, a incapacidade do Estado na contenção da hemorragia da fuga de jovens profissionais de saúde para outros países, em busca de melhores condições remuneratórias; a total ausência, em nome da famigerada coesão territorial, de políticas de atractibilidade de profissionais de saúde para o interior; do acesso aos medicamentos por franjas mais carenciadas da população…
Soubemos, no passado, ter a visão e a vontade para implementar soluções muito relevantes e de grande impacto na Saúde dos portugueses.
Haja agora a coragem de mudar, de encontrar soluções inovadoras, sustentáveis e de valor acrescentado, sob pena de continuarmos num caminho que, cada vez mais, se afigura erróneo e sem retorno… a bem dos portugueses e da sua saúde.
PS: O autor opta por escrever segundo o acordo ortográfico precedente.
Autor: Mário Peixoto