Há 700 anos atrás, falecia o escritor, poeta e político florentino Dante Alighieri. Ao escolher o dialeto toscano, e não o latim, para escrever a sua obra-prima (A Divina Comédia), tornou-se o pai da língua italiana, o seu maior poeta (os italianos chamam-lhe Il sommo poeta) e uma referência incontornável da literatura universal. O escritor argentino Jorge Luis Borges considerou até a Divina Comédia como “o melhor livro que a literatura produziu”.
Nasceu em Florença, em data incerta, entre 21 de maio e 20 de junho de 1265, e chamaram-lhe Durante (Dante é um diminutivo!). Faleceu em Ravena, na noite de 13 para 14 de setembro de 1321, e é lá que se encontram os seus restos mortais, na Igreja de S. Pedro Maior, ao passo que, em Florença, sua cidade natal, há apenas um cenotáfio (túmulo vazio) em sua memória, na Basílica de Santa Cruz, com a inscrição Onorate l’Altissimo (“honrai o mais exaltado”).
Com uma vida atribulada, por razões políticas, Dante escreveu diversas obras que o perpetuaram e fizeram dele um grande poeta, ao mesmo tempo que uma referência incontornável para os que, nas tribulações da vida, buscam o sentido e a finalidade última da existência. Se Vita nuova, Il convivio, De monarchia, Le Rime são obras de referência, a sua obra maior é A Divina Comédia (inicialmente, chamava-se apenas Commedia, mas Giovanni Bocaccio acrescentou-lhe o adjetivo Divina). O termo “Comédia” não designa, como hoje, algo engraçado, mas sugere que tudo termina bem (no Paraíso). Era esse, aliás, o sentido original da palavra, em contraste com “tragédia” que, em princípio, terminava mal para os seus personagens. O poema é constituído por um canto introdutório e por três livros de 33 cantos cada, num total de 100 cantos.
Trata-se de um poema que descreve uma viagem de Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, guiado, no Inferno e no Purgatório, pelo poeta romano Virgílio (símbolo da razão humana), autor do poema épico Eneida; e, no Paraíso, por Beatriz (uma mulher que teria visto poucas vezes e com quem nunca falara) e por São Bernardo de Claraval, o doutor mariano. Além de Beatriz, duas outras mulheres assumem lugar de relevo: Maria, mãe de Jesus, e Santa Luzia.
Gerações de escritores, pintores, escultores, músicos, diretores de cinema e autores de banda desenhada inspira(ra)m-se em A Divina Comédia. Entre os muitos que poderíamos referir, estão o pintor renascentista italiano Sandro Botticelli, o pintor espanhol Salvador Dalí, o compositor russo Tchaikovsky, os criadores da saga X-Men e o escritor Dan Brown.
Ao pronunciar-se sobre este significativo acontecimento, na Carta Apostólica Candor lucis aeternae, o Papa Francisco destaca a atualidade, a perenidade e a profundidade de fé de A Divina Comédia. Afirma textualmente que “melhor do que muitos outros, [Dante] soube exprimir, com a beleza da poesia, a profundidade do mistério de Deus e do amor. O seu poema, expressão sublime do génio humano, é fruto duma nova e profunda inspiração, de que o Poeta aliás tem consciência quando fala dele como ‘poema santo que consagro, em que puseram mão o céu e a terra’ (Par. XXV, 1-2)” (Introdução).
Em síntese, o Papa Francisco aponta a vida de Dante Alighieri como “paradigma da condição humana” (Candor lucis arternae, n. 2) e chama ao poeta “profeta de esperança” (n. 3), “cantor do desejo humano” (n. 4), “poeta da misericórdia de Deus e da liberdade humana” (n. 5), expressões que dizem bem o essencial da sua mensagem e a grandeza do seu caráter.
Por fim, entre outras recomendações, convida-nos a acolher o seu testemunho: “Neste momento histórico particular, marcado por muitas sombras, por situações que degradam a humanidade, por falta de confiança e de perspetivas para o futuro, a figura de Dante, profeta de esperança e testemunha do desejo humano de felicidade, pode ainda dar-nos palavras e exemplos que estimulam o nosso caminho. Pode ajudar-nos a avançar, com serenidade e coragem, na peregrinação da vida e da fé que todos somos chamados a realizar até o nosso coração encontrar a verdadeira paz e a verdadeira alegria, até chegarmos à meta última de toda a humanidade, ‘o amor que move o sol e as mais estrelas’ (Par. XXXIII, 145)” (n. 9).
Autor: P. João Alberto Correia