A crise mundial de saúde pública tornou óbvia a necessidade de mudanças significativas no modelo de vida que tínhamos antes da pandemia. O sobressalto evidenciou o que nos é imprescindível e aquilo que podemos mais ou menos facilmente dispensar. As alterações necessárias para que as nossas prioridades sejam correctamente hierarquizadas têm sido objecto de reflexões e propostas. Não é que em muitas haja propriamente significativas novidades, mas o certo é que aquilo que alguns têm desde há muito dito ganha agora uma óbvia pertinência.
Um dos documentos interessantes intitula-se “100 princípios para um novo mundo”. Apresentado pelo ecologista francês Nicolas Hulot, ex-ministro da Transição Ecológica e Solidária de Emmanuel Macron, e subscrito por inúmeras personalidades, pretende uma mudança de espírito e de modelo de modo a que “o mundo futuro não seja uma cópia exacta do mundo de ontem”. Entre os apoiantes da iniciativa, encontram-se o secretário-geral da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) Laurent Berger; as actrizes Juliette Binoche, Marion Cotillard, e Arielle Dombasle, os actores Adam Driver e Joaquin Phoenix; o sociólogo Edgar Morin; o monge budista Matthieu Ricard; o fotógrafo Sebastião Salgado; a ecologista Vandana Shiva; e o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus.
Retomando uma fórmula usada por Nelson Mandela no discurso de tomada de posse como presidente da África do Sul, os “100 princípios” começam invariavelmente do mesmo modo: “É chegado o tempo de”. Este é, pois, o momento de, por exemplo, “lucidez”; “traçar um horizonte comum”; “não mais sacrificar o futuro em nome do presente”; “resistir à fatalidade”; “reanimar a nossa humanidade”; “resiliência”; “cuidar e consertar o planeta”; “tratar as raízes das convulsões”; “aprender que todas as crises ecológicas, climáticas, sociais, económicas e sanitárias são apenas uma e a mesma crise: uma crise de excesso”; “ouvir os jovens e aprender com os mais velhos”; “criar vínculos”; “apostar na ajuda mútua”; “aplaudir a vida”; “honrar a beleza do mundo”; “nos lembrarmos que a vida está por um fio”; “nos reconciliarmos com a natureza”; “respeitar os animais”; “reconhecer a humanidade plural”; “cultivar a diferença”; “conectar a nossa comunidade de destino com a família humana e todos os seres vivos”; “reconhecer a nossa vulnerabilidade”; “aprender com os nossos erros”; “inventariar as nossas fraquezas e as nossas virtudes”; “mudar de paradigma”; “redefinir os fins e os meios”; “restaurar o sentido do progresso”; “indulgência e exigência”; “inteligência colectiva”; “uma globalização que partilhe, que coopere e que dê aos mais fracos”; “preferir o comércio justo ao comércio livre”; “globalizar o que é virtuoso e desglobalizar o que é prejudicial”; “definir, preservar e proteger bens comuns”; “solidariedade universal”; “transparência e responsabilidade”; “uma economia que preserva e redistribui por cada um”; “pôr fim à desregulamentação, especulação e evasão fiscal”; “anular a dívida dos países pobres”; “nos emanciparmos das políticas sectárias”; “escapar às ideologias estéreis”; “democracias inclusivas”; “aprender com os cidadãos”; “aplicar o princípio da precaução”; “escapar ao determinismo social”; “colmatar as desigualdades do destino”; “igualdade absoluta entre mulheres e homens”; “estender a mão aos humildes e invisíveis”; “expressar mais do que apenas gratidão àqueles, geralmente estrangeiros, que nos nossos países, ontem e hoje, realizam tarefas ingratas”; “valorizar prioritariamente os negócios que tornam a vida possível”; “fazer trabalhos que nos realizem”; “emergir a economia social e solidária”; “isentar os serviços públicos da lei do lucro”; “relocalizar sectores integrais da economia”; “educar os nossos filhos para o ser, para o civismo, para a vida em comum; e ensiná-los a habitar a terra”; “estabelecer limites em relação ao que magoa e nenhum em relação ao que cura”; “sobriedade”; “aprender a viver de maneira mais simples”; “recuperar a nossa felicidade”; “nos libertarmos dos nossos vícios consumistas”; “desacelerar”; “viajar perto de casa”; “nos livrarmos dos nossos condicionamentos mentais, individuais e colectivos”; “distinguir o essencial do supérfluo”; “renunciar àquilo que compromete o futuro”; “ligar o nosso ‘eu’ ao ‘nós’”; “acreditar no outro”; “rever os nossos preconceitos”; “discernimento”; “admitir a complexidade”; “sintonizar ciência e consciência”; “unidade”; “humildade”; “bondade”; “empatia”; “dignidade para todos”; “declarar que o racismo é a pior das poluições mentais”; “modéstia e audácia”; “preencher a lacuna entre as nossas palavras e as nossas acções e agir com grandeza”; “cada um fazer a sua parte e ser artesão do mundo de amanhã”; “empenhamento”; “com base nestes princípios, escolher, incentivar e apoiar os nossos líderes ou representantes”; “cada um dar vida a este manifesto”.
É tempo, é o tempo de…
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Princípios para um novo mundo

DM
29 junho 2020