Quando estávamos a pensar escrever mais um texto sobre o princípio da legalidade criminal, eis que se está a falar muito, e bem, nos “Pandora Papers”. Trata-se de cerca de 11,9 milhões de documentos que foram publicados pelo designado Consórcio Internacional de Jornalistas Investigadores (ICIJ). As pesquisas relacionam-se sobretudo com países como o Panamá, a Suíça e os Emirados Árabes Unidos. Em termos de números, trata-se duma revelação ainda maior do que no caso dos “Panamá Papers”. Mais uma vez aqui as fontes não são identificadas de acordo com as práticas éticas jornalísticas que fazem parte do Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro. Calcula-se que uma riqueza de 32 biliões de dólares norte-americanos não é tributada a nível mundial (ou seja, no Português falado no Brasil, serão cerca de 32 trilhões de dólares norte-americanos: $32.000.000.000.000). Ora aí está uma boa oportunidade para serem apanhados uma série de fugitivos aos seus deveres constitucionais fundamentais, como é o caso do dever fundamental (Casalta Nabais) de pagamento de impostos necessários, adequados e proporcionais. Respeitando a intervenção mínima do Estado. Justamente é uma boa altura para os poderes funcionarem na sua plenitude: legislativo, executivo e judicial. Enfim, o Estado de Direito. Assim, rectius, autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal e autoridades de polícia criminal, actuando em conjunto pelo Interesse Público, cada um no seu campo, com destaque de Juízes e Procuradores e, claro, Polícia Judiciária, devem aproveitar para investigar e acusar os criminosos e infractores, nomeadamente portugueses e que prejudicam o Estado e Povo Portugueses e da UE. Doa a quem doer. E ainda aparecem alguns a assobiar para o lado como se nada fosse. Ou outros não tivessem já ido a correr para o Tribunal Constitucional para corrigir património e declarações fiscais. É melhor que nada. Resta saber se não estão verificados pressupostos legais para processos criminais e/ou contraordenacionais ou até disciplinares? Voltamos ao Princípio da Legalidade Criminal sobre o qual já publicámos aqui em 17/9/21 e 1/10/21. Além de Portugal ser um voluntário no Tribunal Penal Internacional, também é importante referir que este último obedece ao princípio da complementaridade, i.e., o Tribunal só tem jurisdição sobre os crimes que o Estado não possa ou não queira julgar. Assim também P. Albuquerque. Já no contexto da União Europeia, não podemos esquecer que as Directivas e Decisões-Quadro têm que ser transpostas para o Ordenamento Jurídico Interno, assim como em rigor os Regulamentos dentro deste universo penal. Designadamente, a UE tem competência originária positiva ao poder obrigar os Estados-Membros a adoptar normas que prevejam sanções penais, assim que sejam indispensáveis para tutelar os interesses principais da UE. Já a competência originária negativa obriga os Estados-Membros a não qualificarem como ilícito penal os comportamentos permitidos pelo Direito da UE. O princípio da assimilação obriga inclusive que a legislação penal nacional deve proteger os interesses da UE na mesma medida que protege os interesses nacionais. É através da lei que se qualificam comportamentos ou omissões como crimes e se determinam sanções para esses crimes. O princípio da legalidade é farol tanto para o aplicador da lei, como para o próprio legislador. O direito penal surge como direito penal do facto. A personalidade expressa-se no facto. O chamado Direito Penal do Inimigo, no qual vale até torturar, é de rejeitar. Já o nosso “O Direito Penal entre ‘Creutzfeldt-Jakob e Günther Jakobs’! ou o Direito Penal (Económico) como Tutela de Bens Jurídicos – e a Responsabilidade dos Entes Colectivos – no Seio do Direito Penal (da Sociedade) do Risco e do ‘Direito” Penal do Inimigo’ ”, Estudos Jurídicos Criminais, Juruá, Curitiba, 2008. Como no mito grego, Pandora só guardou a Esperança. Não esquecendo que a “Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados” sofre excepções.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira