Numa altura em que a corrupção alastra pela política e até há “políticos insolventes” que ocupam cargos de relevo tendo graves problemas com a Justiça (…) – haverá novidades! –, continuemos a analisar o Princípio Constitucional Fundamental da Legalidade Criminal. Apenas podem ser baptizados como crimes os comportamentos ou omissões que coloquem em perigo (certas tipicidades) e/ou danifiquem bens jurídicos – individuais ou colectivos – protegidos pela Constituição: art. 40º do Código Penal Português. Como Figueiredo Dias, Costa Andrade, Taipa de Carvalho ou Faria Costa (que rejeita a autonomia) ou ainda Pinto de Albuquerque que vamos seguir, os bens jurídicos colectivos, da Constituição social e económica, são tutelados pelo direito penal económico e social; e os bens jurídicos individuais são protegidos pelo designado direito penal primário ou de justiça ou clássico e correspondem à parte da Constituição que trata dos Direitos (e Deveres), Liberdades e Garantias. Assim, o sistema penal serve uma política criminal de protecção de bens jurídicos. Esta política, não prejudicando a separação e interdependência dos três poderes originais, é delimitada pelos órgãos de soberania com competência legislativa. Assim, está totalmente fora de causa, do ponto de vista penal, tutelar p.e. a “moralidade sexual”, as “proposições meramente ideológicas”, ou os “valores de mera ordenação social”. Em caso algum nos podemos esquecer que o direito penal e o direito processual penal estão sujeitos à proporcionalidade, adequação e necessidade, e ainda intervenção mínima e gradual, do Estado de Direito Democrático, Social, livre e verdadeiro, art. 18º da Constituição. Logo, a aplicação do direito penal é subsidiária e fragmentária. Neste contexto já existiram incriminações que foram consideradas inconstitucionais (auxílio à emigração clandestina: Ac. do Tribunal Constitucional nº 204/94, sobre o art. 3º/1 b. do DL 49.400, de 24/11/69), assim como outras foram aferidas como não estando contra a Constituição (desobediência à ordem administrativa de demolir: Ac. do Tribunal Constitucional nº 274/98, sobre o art. 59º do DL 445/91, de 20/11; ou a detenção ilícita de material de guerra: Ac. do Tribunal Constitucional nº 165/2008, sobre o art. 82º do Código de Justiça Militar). Podemos pois pré-concluir que podem existir bens com dignidade penal, os quais, apesar disso, não necessitam de ser protegidos por um prisma criminal. O art. 18º da Constituição reclama necessidade, adequação e proporcionalidade, além da intervenção gradativa do Estado. O único caso no qual a Constituição obriga à criminalização, é o caso, pasme-se pois é muita teoria, do art. 117º (Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos)/3: “A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato”. Por outro lado, o sistema penal português não tutela as posições jurídicas de pessoas que se encontrem em violação da própria lei penal. Dentro deste sensível cosmos, o sistema penal ligado à protecção de bens jurídicos, afasta o direito penal do risco. A razão é que este último fundamenta-se no uso de categorias transpessoais de imputação de responsabilidade e numa política de antecipação de intervenção do Estado criminal e criminógeno, dizemos nós. Isto não afasta contudo, como aliás já referimos antes, a tutela dos bens jurídicos colectivos e/ou económicos e sociais: Direito penal económico e social. Já os crimes cumulativos ou aditivos também são susceptíveis de não ferirem a Constituição: Jorge de Figueiredo Dias. Ao contrário do que pensava o já tragicamente falecido Augusto Silva Dias. São estes crimes onde a importância típica reside na própria pontencialidade do comportamento do agente vir a ser adicionado a comportamentos autónomos de outros agentes, provocando a danificação da cumulação ou adição destes comportamentos autónomos. O que, por sinal, se bem aplica aos crimes ambientais.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira