Ano após ano, como os dias e as estações, o tempo do Natal aí está de novo a interpelar os cristãos à celebração do nascimento do Menino Jesus, o Deus encarnado que veio ao mundo para salvar a humanidade, ensinando-lhe o caminho da verdadeira vida – o da eternidade.
Ora, o período de Advento que o precede e prepara, propicia e justifica uma singela reflexão sobre a Natividade que entendi escolher como tema desta crónica.
E enquanto assim reflectia, recebi do meu bom amigo, Monsenhor Domingos Silva Araújo, qual inesperada inspiração, um dos seus habituais posts com a foto de um belo presépio existente na porta do sacrário do altar de Nossa Senhora das Dores, na Basílica dos Congregados, em Braga, cujo desenho tal como o do retábulo em que se integra é atribuído ao grande arquitecto bracarense André Soares.
Nesse presépio miniatura a nota original e que mais me impressiona é a da figuração, em pano de fundo, de três anjos entre uma nuvem que derrama águas pluviais sobre o local em que o Menino está deitado, porventura significando a chuva de Justiça que desceu à terra para purificar e redimir a humanidade.
Tenho para mim que esta pequena obra-prima e o local onde se insere ilustram bem a centralidade que o presépio deve representar, não somente na evocação do Natal mas ainda como porta eucarística para a vida eterna, em contraponto, aliás, com a evidente neopaganização desta mesma festividade e do consequente esquecimento do Deus Menino que vêm caracterizando as celebrações natalícias nos nossos dias.
De facto, é notório que, em imensos lares e lugares, o Menino Jesus foi trocado pelo pai Natal, enquanto o presépio foi substituído pela árvore. Mas, mais do que isso, a humildade, a simplicidade e a caridade que a Família de Nazaré e o estábulo da Natividade representam deram lugar, em larga medida, à ostentação, soberba, ganância e egoísmo que hoje são apanágio das festas de Natal, deturpando o seu mais genuíno espírito.
Quer dizer, hodiernamente, em sentido contrário ao que foi a cristianização de uma grande festa pagã que em Roma se fazia em honra do deus Sol, por ocasião do solstício de Inverno, assiste-se à paganização da comemoração do nascimento do Redentor: consumismo infrene, prendas desmesuradas, excessos gastronómicos e esquecimento do verdadeiro e único homenageado – o Menino Deus!
Depois de ter moldado a civilização ocidental nas mais diversas áreas, à luz dos ensinamentos do seu fundador, a ponto de conseguir que a medida do próprio tempo, a partir da data do nascimento de Jesus de Nazaré fosse adoptada por todo o ocidente e mesmo quase universalmente, a Igreja Católica vê uma das suas festas maiores desvirtuada no seu sentido apostólico mais profundo.
Importa, pois, recristianizar o Natal, levando de novo as lições que encerra a todos os cantos do mundo. E, para isso, nada melhor do que começar por contemplar o presépio e reflectir sobre o seu significado. Perceber que o mistério do nascimento de Jesus encerra um admirável sinal – Deus fez-se homem como nós para nos mostrar a sacralidade da vida. Para nos acompanhar todos os dias da nossa existência terrena. Para nos mostrar que, se O acolhermos, o mundo pode mudar e que, com Ele, poderemos vencer o desânimo, os infortúnios e a morte e alcançar a verdadeira vida.
Com esse sinal será assim possível um mundo mais humano e mais fraterno. Para se ser feliz, como o presépio igualmente ensina, é preciso muito pouco – hospitalidade, solidariedade e perdão.
Que neste Natal de 2021, à semelhança do presépio miniatura de André Soares, Deus faça jorrar sobre a humanidade a chuva de Justiça e de Amor do seu divino Filho que tão precisa é neste tempo de pandemia e de renovação sinodal que atravessamos.
É com este espírito que desejo aos meus estimados leitores um Santo Natal e um feliz Novo Ano!
Autor: António Brochado Pedras