Kate Raworth e Cedric Price têm formações diferentes, ela é economista, ele (já falecido) arquiteto. Une-os a paixão pelos modelos de crescimento e desenvolvimento económico e consequentemente pelas fórmulas que enquadram a governação das cidades. Ambos apresentam, no seu tempo, soluções disruptivas que nos remetem, por analogia, para a assunção de perspetivas e enquadramentos distintos, indicadores de entendimento comum, tão realistas quanto necessários. Têm o condão, igualmente, de nos remeter para a complexidade de soluções face aos desafios que enfrentamos, contrapondo a “felicidade” de consumirmos um ovo de variadas formas ou deliciarmo-nos com um Donut.
O arquiteto construtivista, falecido em 2003, foi um dos primeiros a arrojar, no pós-guerra, no desenho das novas cidades que se ergueram das ruínas. Apresenta-nos uma visão histórica do urbanismo que condensou numa trilogia que começa cronologicamente no ovo cozido em que os centros urbanos eram densos, cercados de muralhas, para o ovo escalfado com a expansão para o que classificou de anéis de novas áreas habitacionais, industrializados e infraestruturados, com serviços públicos como os transportes, abandonando o centro, numa espiral de suicídio do espaço central das cidades. Rapidamente, esta perspetiva perdeu a sua pujança e hoje o que temos é uma cidade tipo ovo mexido, com o automóvel a assumir um papel preponderante e a opção dos cidadãos a deslocarem-se entre os anéis para fazerem o grosso das suas compras, trabalharem e viverem. O que o futuro nos reserva, digo eu, é uma combinação entre as três disposições; ou seja, a necessidade de consumirmos o ovo de forma sustentável.
É aqui que a solução Donut de Kate Raworth aparece como solução equilibrada ao desenhar e combinar dois anéis convergentes onde se perfilam as necessidades sociais e os limites ambientais.
O modelo, criado em 2012 e condensado em livro, cinco anos depois, cria limites ao espaço de intervenção humana através de nove linhas vermelhas descritas num artigo de Mariana Espírito Santo: “alterações climáticas, taxa de perda de biodiversidade, ciclo do nitrogénio, ciclo do fósforo, destruição da camada estratosférica de ozono, acidificação dos oceanos, uso global de água doce, mudança no uso da terra, concentração de aerossol atmosférico e poluição química”. A este anel externo, corresponde um outro, no interior, baseado nas metas do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas: “água, comida, saúde, educação, rendimentos e trabalho, paz e justiça, voz política, igualdade social, igualdade de género, habitação, redes e energia”.
Na perspetiva da economista inglesa, da Universidade de Oxford, o PIB deixa de ser o carburador da sociedade. Passamos a olhar para o crescimento e desenvolvimento com os limites do ovo de Price impondo, de alguma forma, um limite ao crescimento infinito do Produto Interno Bruto como fulcral para o bem-estar social. Será possível conviver com uma economia mais distributiva e “regenerativa”, ou continuaremos a apostar no consumo de todos os ovos que possamos comprar? O trabalho para se atingir tal desiderato é difícil, tem uma perspetiva de sucesso a longo prazo e não é claro que todos alinhem com os exemplos de cidades como Amesterdão, Bruxelas, Copenhaga na Europa ou a canadiana Nanaimo e os Barbados. Por cá, esperamos para ver. Somos pouco experiencialistas e isso tem tanto de bom (aprendemos com os erros dos outros) como de mau, porque nos limita a capacidade inovadora. Seja como for, abriu-se recentemente uma janela de oportunidade quando a economista britânica veio a Portugal discutir os novos modelos económicos e as alterações climáticas, em fevereiro passado. As duas perspetivas, aqui resumidas, deveriam ter consequências na forma como continuamos a encarar os modelos de governação das cidades. Definitivamente, temos de ser disruptivos e abandonar de forma organizada e consciente as fundações da economia do século XX, encarando como absolutamente necessária a aceleração para uma economia ecolizada e socialmente tangível.
Nos próximos quatro anos, a forma como aceleramos ou não o cumprimento das metas dependerá, não apenas dos governos locais, mas da pressão que os cidadãos exercerão sobre as políticas e a forma como pretendem encarar a alteração de hábitos que continua dependente do consumo intensivo do ovo e do Donut.
Autor: Paulo Sousa