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Precisamos de padres e cristãos do sorriso

Num tempo em que a vida da Igreja é ensombrada por vários acontecimentos tristes, sobretudo o dos abusos sexuais de consagrados sobre menores, com acusações infundadas de algum encobrimento ao próprio Papa Francisco por parte de um pequeno mas ruidoso grupo de quem se suporia que apoiaria incondicionalmente o Sumo Pontífice, é reconfortante observar a maneira evangélica e serena como o próprio Papa tem reagido. A homilia que proferiu na celebração da eucaristia no Foro Palermo, na Sicília, em 15 de Setembro, no 25.º aniversário da morte do beato Pino Puglisi pela máfia, é o melhor antídoto contra uma certa apatia ou acédia que poderia tentar muitos cristãos pouco esclarecidos. Apoiando-se no texto do evangelho desse domingo, que fala da vitória de quem se gasta pelos outros, Francisco diz que a verdadeira derrota é a de quem ama a própria vida, quem se ama a si próprio, porque quem vive para si próprio perde, é um egoísta. Pelo contrário, quem se dá, encontra o sentido da vida e vence. É uma grande ilusão pensar que o dinheiro e o poder é que valem e interessam. O dinheiro e o poder não libertam o homem. Tornam-no escravo, embora nem sempre se dê conta disso, porque o egoísmo instintivo é um anestésico muito poderoso. Deus não exercita o poder para resolver os nossos males e os do mundo. O seu caminho é sempre o do amor humilde: só o amor liberta interiormente, dá alegria e paz. Por isso, «o verdadeiro poder, o poder segundo Deus, é o serviço». Assim como a voz mais poderosa não é a de quem grita mais, mas a da oração. E o maior sucesso «não é a própria fama, imitando o pavão. A maior glória, o maior sucesso é o próprio testemunho». Só dando a vida se vence o mal. É um preço alto a pagar, mas só assim se vence o mal em vez de o aumentar ainda mais. Foi o que fez dom Pino: não vivia para se fazer conhecido, não vivia de apelos anti-máfia, e nem sequer se contentava com não fazer nada de mal. Ele semeava o bem, muito bem, porque acreditava que a lógica do deus-dinheiro é sempre perdedora. Quanto mais tens, mais queres ter, o que é uma enorme dependência, uma espécie de droga. Quem se enche de coisas acaba por explodir. Pelo contrário, quem ama encontra-se a si mesmo e descobre como é belo ajudar, servir. Encontra a alegria dentro e o sorriso fora, como aconteceu com dom Pino. «Há 25 anos, quando morreu no dia do seu aniversário, coroou a sua vida com o sorriso, com aquele sorriso que não deixou dormir de noite o seu assassino, o qual disse: 'havia uma luz muito especial naquele sorriso'. O Padre Pino estava inerme, mas o seu sorriso transmitia a força de Deus: não um clarão que cegava, mas uma luz gentil que escava por dentro e ilumina o coração. É a luz do amor, do dom, do serviço. Temos necessidade de tantospadres do sorriso. Temos necessidade de cristãos do sorriso, não porque pegam nas coisas com ligeireza, mas porque são ricos apenas da alegria de Deus, porque crêem no amor e vivem para servir. É dando a vida que se encontra a alegria, porque há mais alegria em dar do que em receber (Cf. Act 20, 35)». E elogia a generosidade de dom Pino: sabia que arriscava a vida, mas sabia que o grande perigo na vida não é arriscar, mas não arriscar, ir sobrevivendo entre comodidades, expedientes e escapatórias. As meias verdades não saciam o coração, não fazem bem. «Deus nos livre de pensar que tudo está bem se vai bem para mim, e o outro que se arranje. Deus nos livre de nos crermos justos se não fazemos nada para combater a injustiça. Quem não faz nada para combater a injustiça não é um homem ou uma mulher justa. Deus nos livre de crermos que somos bons só porque não fazemos nada de mal». E citando Santo Alberto Hurtado, acrescenta: «É uma coisa boa não fazer o mal. Mas é uma coisa muito feia não fazer o bem». «Aos outros, a vida dá-se-lhes, não se tira. Não se pode acreditar em Deus e odiar o irmão. Não se pode tirar a vida com o ódio». Aqui estava a principal resposta à máfia e aos mafiosos que se dizem cristãos. «Não se pode acreditar em Deus e ser mafiosos. Quem é mafioso não vive como cristão, porque blasfema com a vida em nome do Deus-amor. Hoje temos necessidade de homens e mulheres de amor, não de homens e mulheres de vingança; homens e mulheres de serviço e não de exploração... Se a ladaínha mafiosa é : 'Tu vais pagar-ma'; a cristã é: 'Senhor, ajuda-me a amar'». Concluo com Francisco: «Senhor, dá-nos o desejo de fazer o bem, de procurar a verdade detestando a falsidade; de escolher o sacrifício, não a preguiça; o amor, não o ódio; o perdão, não a vingança.»
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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22 setembro 2018