Há dias, num canal francês (TMC), um especialista em relações internacionais comentava um relatório prospetivo da CIA intitulado “Tendências globais para 2040”. No seguimento da conversa, o jornalista solicitou ao entrevistado que contextualizasse a situação sociopolítica na Colômbia. Afável, mas seguro, respondeu de pronto o analista: "não seria correto da minha parte improvisar-me pseudoespecialista da Colômbia. Não é por ser perito em relações internacionais que conheço tudo. É um tema muito vasto". E a conversa passou para outro assunto. Em França, em Portugal e outros lugares, muito mais saudável seria o espaço público se todos tivessem a mesma honestidade intelectual.
Cada vez que esboço o meu artigo de opinião mensal para o Diário do Minho, coloco-me a mesma interrogação: Que valor acrescentado terá esta minha reflexão para o leitor? Procuro cingir-me a questões que domino, preferencialmente nas áreas da comunicação e das migrações, recorrendo ainda à minha proximidade com a sociedade francesa, assim como a recordações e experiências pessoais, mas é tão fácil meter – inadvertidamente ou não – a foice em seara alheia… Não é por ser docente universitário que todos os assuntos se convertem em coutadas privadas, nem por exercer o ofício de articulista que as respetivas reflexões não possam estar sujeitas ao escrutínio.
Há alguns meses, um canal de televisão com o qual colaboro episodicamente contactou-me, à última hora, para pedir uma reflexão sobre o uso das máscaras sanitárias no contexto do Norte do País. Embora tenha alguma investigação em comunicação interpessoal, declinei o convite por não ser a pessoa adequada, naquele momento, para dissertar sobre o assunto. Precisaria de algum tempo, de que então não dispunha, para rever dois ou três tópicos. Uma coisa é um diálogo informal, uma conversa de café, a opinião do instante, outra bem distinta deve ser o comentário fundamentado de um especialista. Todos temos direito à opinião, mas ninguém é perito em todos os assuntos. Infelizmente, essa distinção é cada vez mais impercetível, o que paradoxalmente constitui uma ameaça para o sistema democrático.
Não precisamos de professores universitários, diplomatas, jornalistas, juízes, ministros, médicos, sindicalistas, autarcas, ex-futebolistas, advogados, economistas, psicólogos, atores, escritores ou músicos que do alto das suas cátedras respetivas exerçam o ministério de tudólogo. Ninguém sabe tudo. Os órgãos de comunicação social caem reiteradamente na tentação de transformar algumas figuras mais mediáticas – aquelas que souberam apropriar-se da linguagem e dos códigos televisivos e/ou estão próximos dos círculos do poder – em verdadeiros canivetes suíços prontos a debitar comentários enlatados de alguns segundos sobre qualquer temática.
Conta aquela historieta do anedotário nacional, embebida de condescendência machista, que dois maridos dissertavam sobre a verborreia das esposas respetivas. “A minha mulher – dizia o primeiro – pega num assunto e fala durante horas”. Terá replicado o segundo: “A minha nem precisa de assunto!”. Na verdade, no panorama do comentário televisivo, são sobretudo homens que açambarcam a esfera da opinião, tendo sempre algo a dizer, por vezes mesmo sobre o que desconhecem profundamente.
A sociedade precisa do contributo de cada um, dos seus saberes e experiências, mas também devemos ter a humildade de reconhecer as nossas limitações. No século XV, embora com um propósito diferente, Nicolau de Cusa popularizou o conceito de “douta ignorância”, oxímoro que hoje deveria figurar no pórtico de qualquer espaço de comentário televisivo. Também não ficaria mal o célebre paradoxo socrático – falamos aqui do filósofo, não vá o leitor descortinar qualquer alusão a um ex-político-comentador homónimo – segundo o qual “só sei que nada sei”. Mas deixo estas matérias para os meus colegas filósofos…
Autor: Manuel Antunes da Cunha