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Povo estranho

Dizia um inglês, salvo erro, que éramos um povo estranho: “os portugueses demoram meses a secar o bacalhau e depois, para o comer põem-no de molho. Isto veio-me à memória por ver na rua quase toda a gente de máscara e porquê? Alguns demoraram muito tempo a usar máscara na rua e agora, que a podem tirar, estão a usá-la. Seremos, como dizia o inglês, realmente um povo estranho ou, se quisermos, um povo que gosta de se afirmar pela contradição? Lá quanto ao bacalhau é assim mesmo, o inglês não sabia nem percebia que a seca é um processo de conservação e fez pilhéria com o caso. Quanto à máscara também nada me parece assim estranho que faça os portugueses um povo estranho. O que se me afirma concluir é que o povo apanhou tamanho medo da covid-19 e seus efeitos perniciosos, que ainda tem dentro de si o receio de ser contagiado e, como se diz, mais vale prevenir que remediar. E isto não me parece nem um excesso de zelo, nem uma tendência genética para o exótico. Julgo que o povo faz bem em prevenir-se porque entendeu conscientemente que a “besta” ainda não morreu, nem sequer foi domada por inteiro, e nunca o será ou irá embora. Não deixo de assinalar que dava um aspeto de libertação deixar a máscara no cotovelo, para usá-la apenas nas lojas e similares; lá isso dava, mas também no nosso inconsciente reina ainda o medo que o dia da libertação se não venha a transformar no dia do arrependimento. O cronista vê, o cronista conta e, o sobre o que vê, escreve o sentimento que experimenta. Os seus olhos têm alma. E julga que o povo português, a fazer fé nas entrevistas televisivas e no que observa com os seus olhos, está perante um fenómeno sociológico que deve ser analisado a nível dos sentidos e não a nível do raciocínio. A verdade é que as máscaras ainda por cá andam em abundância, talvez desproporcionada aos contágios de rua, mas o sentimento que experimenta é de medo. Há um velho provérbio que diz: “é o medo que guarda a vinha que não o vinhateiro”, isto quer dizer, em termos simples, que o medo é o mais forte guardador da propriedade que, nesse caso, é a saúde de cada um e da coletividade. Faz bem ou mal este “excesso de zelo?” Mal certamente não faz e, então, se não faz mal ao mal, certamente também não faz mal ao bem. Fica o uso das máscaras na via pública entregue ao critério de cada um e, se a liberdade é a faculdade da escolha individual, então respeitemos o medo alheio; se o nosso medo fica por casa é porque estamos com confiança cabonde nos cientistas da saúde. A cada um segundo o seu medo e segundo a sua fé. Permitam-me que lhes diga, o medo é uma pedagogia que ensina sem mestre. O pedagogo, donde deriva a palavra pedagogia, na antiga Roma, normalmente, era um prisioneiro ilustre de guerra; a ele era confiada a tarefa de levar as crianças ao conhecimento que era administrado nas palestras. Foi assim que a pedagogia se tornou na ciência do ensino. Então o vírus covid-19 é mesmo um pedagogo porque ensina aos portugueses , sem escola ou mestre, mas com palestras televisivas , os conhecimentos científicos dos efeitos e sequelas nefastos deste vírus.


Autor: Paulo Fafe
DM

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11 outubro 2021