Para este insigne escritor, a proclamação pelo nosso país de tão belo princípio humanista representava um grande passo civilizacional que colocava os portugueses na dianteira do progresso e da verdade, tal como antes a faceta de navegadores intrépidos nos havia colocado “à frente no Oceano”.
Estas palavras não foram um elogio de circunstância. Como ressalta da sua imensa obra, Vítor Hugo foi um paladino da liberdade, da tolerância, da dignidade humana e da fraternidade. E, por conseguinte, ninguém melhor do que ele podia avaliar o progresso que aquela medida representava em termos de direitos humanos.
Pois bem, quando estamos prestes a comemorar o 150.º aniversário da Carta de Lei de D. Luís que sancionou o Decreto das Cortes Gerais, de 26 de Junho de 1867, que aprovou a abolição da pena de morte e a reforma penal e de prisões, faz bem reflectirmos no pioneirismo que nos singularizou nesta matéria e no papel que poderemos e deveremos representar no concerto das nações ao nível do desenvolvimento do direito internacional e da consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
É que, para além de destacado precursor nesta matéria, Portugal tornou definitivo esse feito notável, varrendo completamente da agenda da política criminal qualquer veleidade de restabelecimento da pena capital. E isso não tanto pela intensa vivência dos princípios cristãos de que o povo português sempre deu provas, mas, sobretudo, pela índole humanista dos seus sentimentos, pela sua generosidade, pela sua arreigada solidariedade contra a morte e pela extrema compreensão que sempre revelou para com as mais infelizes criaturas, ainda que de delinquentes se tratasse.
Ora, é este carácter singular de antiga e crescente oposição à pena de morte que nos predispõe, mais do que outros povos, a tomar um lugar de relevo na cruzada contra a pena capital que, a partir da II Guerra Mundial, criou novos e inesperados obstáculos.
Na verdade, desde então, a pena de morte adquiriu uma força inusitada nos novos sistemas de Direito Penal das democracias populares, no países do Médio Oriente e nos países colonizados da África e da Ásia, tendo como pretexto os enormes actos de violência que os novos acontecimentos políticos, as revoluções, os golpes de Estado, as guerras e as tensões internacionais precipitaram.
Não admira, pois, que a controvérsia sobre a pena de morte se tenha reacendido e ganho até uma certa espectacularidade, bem patente, aliás, nos relativamente recentes enforcamentos de Bagdad!
Cabe-nos, pois, a missão pedagógica de, nos fóruns internacionais, conquistar as múltiplas nações retencionistas para a bondade da ideia de reabilitação ou de reinserção social que deve ser ínsita a toda e qualquer sanção criminal, mas que é negada, em absoluto, pela pena capital, assente, exclusivamente, num direito de vingança e de expiação.
Persuadir essas nações de que a nova criminologia tem de ser orientada para a recuperação do criminoso e não para a sua eliminação física constitui a pedra de toque da catequização que de nós se espera e cuja base filosófica há-de assentar na defesa dos direitos do homem. O indivíduo tem o direito de não ser sacrificado ao pretenso interesse geral da comunidade social politicamente organizada. E o Estado não tem o direito de vida e de morte sobre aqueles que o compõem e para benefício de quem foi justamente constituído.
Como muito bem afirmou o Papa Francisco, “também um criminoso tem o direito inviolável à vida”. E como corolário desse direito, deve ser-lhes garantida a possibilidade de se arrepender e de remediar os seus crimes.
Em tempo de Quaresma, é bom que, a partir da reflexão sobre a paixão e morte de Jesus Cristo, em contraponto com a atitude de perdão que teve para com os seus sentenciadores e algozes e com o oferecimento da salvação ao bom ladrão arrependido, pensemos como a justiça cristã de compaixão e de misericórdia, que foi capaz de superar a violência da velha Lei de Talião, nos pode dar o ethos evangélico perfeito para superar toda a ideia de vingança em que a pena de morte assenta e evidenciar a falibilidade dos juízos humanos e o carácter irreversível e radical de tal pena.
Uma Santa Páscoa para todos os estimados leitores.
Autor: António Brochado Pedras