O que se passou a propósito da pretendida despenalização da eutanásia fez nascer em mim um conjunto de interrogações que decidi partilhar.
Antecipadamente afirmo não estar contra as pessoas. Todas merecem o meu respeito. Acredito que todas procuram o que consideram ser o melhor. Mas há situações e comportamentos que me fazem pensar no Portugal em que vivemos e no Portugal para onde alguns nos pretendem conduzir.
1. Liberdade. Falou-se muito em liberdade e foi em nome da liberdade que se defendeu a despenalização.
Para a votação, dois partidos libertaram os seus deputados do espartilho da disciplina partidária. Se isso não tivesse acontecido que resultado teria a votação?
Os defensores da liberdade são, eles mesmos, efetivamente livres? Quando funciona a disciplina de voto que liberdade têm os nossos deputados? Nas decisões que aprovam atuam de harmonia com a própria consciência ou fazem o que mandam os dirigentes partidários?
Não seria bom que os deputados tivessem sempre liberdade de voto? Ao serviço de quem estão: dos cidadãos ou dos líderes partidários? Um deputado não deve ser uma pessoa que procura ver o que é realmente a exigência do bem comum, formar bem a própria consciência e atuar de harmonia com ela, também quando essa consciência lhe diz que não deve satisfazer as exigências do líder?
2. O que leva um doente ou um idoso a desejar a morte? Se dispuser de condições dignas de vida e beneficiar da assistência que merece ele prefere morrer a continuar a viver?
Em lugar de defender a prática da eutanásia não será melhor lutar para que doentes e idosos tenham melhores condições de vida? Não será melhor investir nos serviços de cuidados continuados e paliativos?
O «Jornal de Notícias» de 22 de maio informava que entre 69 a 82% dos doentes que morrem no nosso país necessitam de cuidados paliativos. Mas mais de 80% não os têm porque as respostas são insuficientes. Os maiores hospitais do país, Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa incluído, não têm unidades de internamento. Oito dos 18 distritos não têm qualquer equipa domiciliária. E mais de 70 mil doentes continuam sem acesso a esses cuidados. Faltam recursos humanos e materiais. Faltam horas nos hospitais destinadas a estes cuidados. Faltam equipas em várias zonas do país. E falta formação orientada para um setor tão específico. Isto não nos inquieta?
Não será de investir na estabilidade da família e educar os mais novos no respeito para com os idosos e no apoio a prestar aos doentes? Não acontece de se dar a animais de estimação atenções e gestos de carinho recusados a seres humanos que se depositam num lar ou simplesmente se abandonam? Não é de lutar pela existência de lares – verdadeiros lares – para acolherem pessoas cuja reforma fica aquém do salário mínimo?
3. O Artigo 5.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos em relação à qualidade dos cuidados médicos afirma: «O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano». A prática da eutanásia não é incompatível com isto?
O ano passado alterou-se parte do texto do Juramento de Hipócrates. “Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu doente” e “guardarei o máximo de respeito pela vida humana” foram algumas das novidades introduzidas pela Associação Médica Mundial.
O respeito pela “autonomia” e “dignidade" do doente será porta aberta à morte medicamente assistida ou quererá afirmar ser o doente quem, em última análise, acaba por decidir se quer ou não prosseguir como um determinado tipo de tratamento, se quer ou não fazer um determinado exame?
A grande função do médico é estar ao serviço da vida ou provocar a morte? É prestar assistência aos doentes ou assinar certidões de óbito?
Autor: Silva Araújo
Porque perguntar não ofende…
DM
7 junho 2018