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Pôr travão

1. A febre do lucro também invadiu os domínios do futebol e impôs a lei do vale tudo. O resultado está à vista: a vergonhosa situação a que se chegou. A prática desportiva, como todo e qualquer domínio de atividade humana, não deve ser isenta de princípios éticos, que devem ser observados por todos. 2. Custa-me aceitar a profissionalização do futebol, como a de qualquer outro desporto. Entendo a pática desportiva como a forma de ocupar sadiamente os tempos livres. Como forma de relaxar e de a pessoa se libertar do stress provocado pelas ocupações do dia a dia. Custa-me aceitar que o desporto movimente milhões. Que o ser humano se converta em objeto de compra e venda. Que se mude de camisola e se violem compromissos assumidos desde que apareça quem dê mais. 3. O desporto – e também o futebol – deve ser uma escola de virtudes. Onde o outro é visto, não como inimigo mas simplesmente como opositor. Um opositor de ocasião. Onde o desejo legítimo de vencer não justifica qualquer forma de falta de respeito pelo outro. Onde a batota não deve existir, mas impere sempre a lealdade. 4. Que vença o melhor, mas através de processos legítimos.Às vezes fala-se em anti-jogo. Mas o pior, na minha perspetiva, são as agressões, físicas e verbais, de que o outro é objeto. Entendo que, dentro do campo, cada um dê o melhor. Deve fazer-se com perfeição tudo o que deve ser feito. Mas ser o melhor não dá direito a humilhar o outro. Terminado o jogo, que as pessoas se cumprimentem com toda a cordialidade. Que os vencidos reconheçam a superioridade dos vencedores e os felicitem por isso. Que o desporto – todo o desporto – seja praticado com desportivismo. Que os responsáveis pelos clubes incentivem os seus desportistas a vencerem, mas não a qual quer preço. Não, ultrapassando regras que devem ser observadas. E que saibam advertir os que de si dependem sempre que tais regras sejam infringidas. 5. É triste falar-se em venalidade e em jogos sujos. É pena que se viciem resultados. É pena que as pessoas se vejam ameaçadas ou mesmo lesadas na sua integridade física e não só. É pena a troca de insultos a que por vezes se assiste e a proliferação de acusações infundadas. 6. O que se passa no desporto, com mais incidência na modalidade futebol, é fruto da sociedade sem princípios em que caímos. É fruto da amoralidade e do mundo de interesses que minam a nossa sociedade.Li há dias num banco de jardim: organização mas sem autoridade. Isso, penso, é pura utopia e resulta na anarquia e no caos. A organização precisa de um coordenador. Um coro necessita de um regente. As equipas de futebol têm o seu capitão. A autoridade faz falta. É imperioso o seu regresso. Mas autoridade sem autoritarismo. Autoridade exercida com humanidade. Autoridade que reconheça estar a lidar com seres humanos e não com peças de xadrez. Autoridade que saiba dialogar e se não estribe no eu posso, eu quero, eu mando. Autoridade que não encare o seu exercício como uma forma de domínio mas como um serviço ao bem da comunidade e não espezinhe os que dirige. 7. O que se passa em certos aspetos do mundo do futebol é um alerta a sacudir a consciência de responsáveis que não atuam com a firmeza com que deviam agir e preferem continuar instalados no seu comodismo. É um alerta para certa comunicação social que, em vez de ajudar a dominar labaredas, contribui para as atear. Que dá voz a quem devia recomendar silêncio e comedimento e fomenta a intriga entre as pessoas. É um alerta para quem vive do disse-disse, do quanto pior melhor, e divulga informações infundadas. 8. É, senhores responsáveis, tempo de agir. De levar a assumir responsabilidades quem contribuiu para o descalabro que se gerou. É tempo de pôr o desporto no lugar que lhe compete numa correta escala de valores. É tempo de ter a coragem de pôr travão a certos desmandos que podem interessar a alguns mas não prestigiam ninguém. É tempo de muitos desportistas de bancada saberem comportar-se.
Autor: Silva Araújo
DM

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14 junho 2018