Num recente discurso a um encontro promovido pela Congregação do Clero em 7 de Outubro, o Papa Francisco, depois de assinalar que tanto a formação inicial como a formação permanente do clero são deveras importantes, dizia aos bispos: «Tende muito a peito a formação sacerdotal: a Igreja tem necessidade de sacerdotes capazes de anunciar o Evangelho com entusiasmo e sabedoria, de acender a esperança onde as cinzas cobriram os braços da vida, e de gerar fé nos desertos da história».
Atenta a estes pedidos, a diocese de Braga promove há anos vários encontros de formação do clero. O segundo deste ano pastoral foi no passado dia 24. O convidado foi o sacerdote, professor emérito da Universidade de Salamanca, José Román Flecha, especialista em Teologia Moral, para falar sobre a recepção que deve ser feita à Exortação Apostólica «Amoris Laetitia», Alegria do Amor (AL) publicada em 19 de Março de 2016. Foram 3 horas intensas, esclarecedoras e interpeladoras para os cerca de 130 sacerdotes e 3 bispos, sendo um deles brasileiro em visita a Braga. Em Julho, com o mesmo sacerdote, haverá um segundo momento forte de reflexão.
Um aspecto saliente: é decisivo e fundamental ter uma noção clara do que o sacramento do matrimónio acrescenta ao amor. A isso se referem os nºs 121 e 122 de AL: « … os esposos são investidos numa autêntica missão, para que possam tornar visível, a partir das realidades simples e ordinárias, o amor com que Cristo ama a sua Igreja, continuando a dar a vida por ela».
Esta tarefa é difícil. Por isso, o Papa se mostra realista, acrescentando: «não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimónio, como sinal, implica um processo dinâmico que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus».
O amor conjugal é uma amizade e muito mais que uma amizade: «É uma união que tem todas as características duma boa amizade: busca do bem do outro, reciprocidade, intimidade, ternura, estabilidade e uma semelhança entre os amigos que se vai construindo com a vida compartilhada. O matrimónio, porém, acrescenta a tudo isso uma exclusividade indissolúvel que se expressa no projecto estável de partilhar e construir juntos toda a existência».
Observação importante: o carácter de estabilidade definitiva não é um peso acrescentado pela Igreja ao matrimónio, pois que «na própria natureza do amor conjugal, existe a abertura ao definitivo. A união, que se torna efectiva na promessa matrimonial para sempre, é mais do que uma formalidade social ou uma tradição, porque radica nas inclinações espontâneas da pessoa humana». (AL, 123)
É por isso que um amor débil, frágil e provisório não é capaz de assumir a grandeza e a responsabilidade do matrimónio, que exige luta, capacidade de renascer e se reinventar, começando sempre de novo até à morte. (AL, 124) Um amor frágil cede à cultura do provisório e impede um processo constante de crescimento, como o que é exigido pelo verdadeiro matrimónio.
É certo que o amor é também uma amizade, que não pode ser superficial, mas que se identifica com um amor muito particular que poderia ser descrito com as seguintes características: a) O amor é confiança; b) desenvolve-se lentamente; c) é paciente; d) não é competitivo; e) permanece aberto e, tal como a esperança, nunca se considera perfeito nem completo; f) é expansivo; g) brincalhão, o que não quer dizer que seja ligeiro ou irresponsável, porque os que se amam de verdade não precisam de estar sempre na retranca, mas são capazes de disfrutar com a seriedade do humor; h) o amor é sincero; i) estimulante, ou seja, se o amor brota da confiança e da autoestima do que ama, também suscita a confiança do outro em si mesmo, ajudando-o sempre a superar-se, pondo em acção o melhor e o mais oculto dos talentos que possui. j) o amor é delicado. O ser humano é mais frágil do que aquilo que está disposto a admitir. E também a pessoa amada o é. E é sensível e vive em solidão; tem temores ocultos. Não está realmente segura do amor que se lhe procura manifestar. Por isso, o amor inclui sempre o respeito.
Estes valores são árduos e difíceis de viver na convivência diária, mas nem por isso devem deixar de ser procurados e fomentados no seio do matrimónio cristão. (Román Flecha – El camino del amor-Del noviazgo al amor esperanzado, Editorial CCS, 3.ª edição, Outubro 2017, pp.46-48).
Autor: Carlos Nuno Vaz
Por ser totalizante, a união matrimonial também é exclusiva, fiel e aberta à geração

DM
28 outubro 2017