A solidariedade que os portugueses demonstraram aos que tudo perderam nos incêndios, bens e pessoas, maquinaria e emprego, animais e rendimento, é algo que enobrece qualquer povo e enche de orgulho qualquer país. O Governo também esteve presente com as disponibilidades financeiras que um orçamento pequeno pode fazer.
Depois destas catástrofes, que foram inferno para quem as viveu e igualmente dolorosas para quem as viu longe do teatro de horrores, depois disto, outros incêndios houve em casas de habitação de que ninguém fala ou acode: arderam os bens e morreram pessoas que lá residiam.
E, por estranho ou paradoxo que pareça, a minha sensibilidade pergunta-me: para estes não há nada, nem uma migalha de piedade, nem um sopro de conforto, nem uma telha, nem uma camisola sobrante a doar? É que a catástrofe de uma casa que arde é igual em drama familiar como a catástrofe de grandes males. Para quem com nada ficou no casebre no meio do mato, ou na casa de habitação na cidade ou na vila, a perda é igual.
Só a não torna semelhante porque lhe falta a espetacularidade mediática da grande catástrofe. Seguros? Cobrem os seguros o quê? Serão tão céleres a concluir os processos de indemnização da casa singular como foram das vítimas dos grandes incêndios? Se os que foram vítimas de incêndio em sua casa de viver estivessem entre as vítimas dos grandes incêndios, teriam a sua casa reconstruída. E na vila ou na cidade também terão a sua casa reconstruída? Estou a ouvir dizer que uma coisa se não compara à outra. Para mim são perfeitamente comparáveis.
Não é a tragédia grande que faz a igualdade, é a igualdade da tragédia que faz a equivalência. Deveria haver um fundo de solidariedade permanente, feito de doadores de bens e capitais, que fossem socorro para toda a casa, as matas, os cultivos e os animais de criação e sustento, independente de governo e gestão autónoma. Assim teríamos sempre um “seguro” que atuasse de imediato e sem burocracias. Este fundo indemnizatório poderia ir buscar os seus fundos às declarações do IRS, numa quadrícula assinalável no impresso, como se faz para outras doações.
Meio por cento que fosse, dava corpo e alma a este fundo indemnizatório. Não podemos ficar contentes com a grande solidariedade, temos outra pequena solidariedade que nos deve merecer a mesma atenção e o mesmo carinho. A alma nunca fica cheia quando há espaços vazios por preencher. Também são casas de primeira e única habitação, as casas que arderam na cidade ou vila, também lhe arderam os móveis, os pertences de uso comum, a roupa, o calçado e acima de tudo arde-lhe a alma por ver outros serem socorridos e eles ficarem esquecidos. A ingratidão faz chorar as pedras. Os que choram por uns e não choram por todos, na verdade não choram, criam uma enorme discriminação.
Autor: Paulo Fafe
Por quem a solidariedade não chora

DM
20 novembro 2017