As cidadãs e os cidadãos deste país merecem ser tratados com a mesma elevação que todos defendemos para os partidos, mas estes teimam em acelerar a sua condição suprema de guias da ação política, não dando margem ao surgimento de uma cidadania política ativa. Apesar das contínuas interpelações de politólogos e de estudiosos das causas da Democracia, é cada vez mais certo que o rumo eleitoral continue em águas turbulentas e fatais para a maioria dos que defendem uma nova linguagem e, mais do que isso, uma postura coerente com as exigências que os números revelam e a verdade dos factos torna indesmentível: Mudança de mentalidade. É aqui e só aqui que reside o problema criado por um cada vez mais fragilizado tendão de Aquiles, onde subjaz a soberba e a previsibilidade da reação do povo, cuja ação caduca em cada ato eleitoral, ao invés de ser perene como se exige a cada democrata.
O mau contributo que as forças político-partidárias têm dado à ação cívica deve-se, não tanto, ao reconhecimento da sua utilidade – ninguém é contra – mas à possibilidade de verem escancaradas as portas invioláveis do castelo de cada um. Os partidos, arrisco-me a dizê-lo, não são livres; são hoje um mal necessário para a maioria dos portugueses e embora discorde desta visão simplista do comum dos mortais, quero crer que a visão dos eleitores é que eles fazem cada vez menos falta, quando, na verdade, nunca como agora, a oportunidade da sua utilidade é tão evidente. Nunca como agora, a necessidade de derrubar muros se tornou tão emergente e nunca como agora, foi tão necessário dar um murro na mesa para que se torne claro que sem mudança no modelo de governação dos partidos, não haverá ação cívica capaz para combater a apatia das cidadãs e dos cidadãos. A Mudança que se exige passa, igualmente, por uma profunda reforma da Lei dos Partidos e da Lei eleitoral, por um aprofundamento das responsabilidades políticas de cada uma e de cada um, mas sobretudo, pelo combate à cristalização de usos e costumes que continua a ser uma herança pesada para as novas gerações que estão ávidas de poderem ser protagonistas, a seu tempo, no aprofundamento da Democracia. Se queremos mais e melhor Democracia, temos de começar por admitir e reconhecer os erros do sistema que ajudamos a construir há 47 anos. Quando é que isso vai acontecer? – Não há respostas fáceis, nem soluções milagrosas, tem apenas de haver predisposição, pragmatismo e uma boa dose de risco para recomeçar a atender aos apelos que o silêncio nas urnas vai ditando. No nosso microcosmo, que habitamos de forma indolente, como se estivéssemos anestesiados, impera a vontade de muitas e de muitos de serem protagonistas da Mudança. Aguardam, apenas, um sinal de coragem dos mais recentes protagonistas eleitos e se assim for, a começar, pelas 308 casas da Democracia, temos razão para acreditar que o sobressalto cívico em Braga merece sobreviver às sucessivas tempestades que se adivinham para o panorama político português. Como em tudo na vida, é preciso uma boa dose de paciência, uma manifesta capacidade de persistência e uma inviolável e desejável manifestação de resistência. A vontade de ver um órgão como a Assembleia Municipal, a ser dignificado e a ser verdadeiramente a Casa da Democracia e da vontade do povo é grande e, talvez, se começarmos por aí, revendo os seus poderes e conferindo-lhe a dignidade e solenidade que merece, possamos estender o seu exemplo como um começo gratificante e duradouro para a extensa lista de necessidades, a começar, tal como com a Assembleia da República, por colocar este órgão no centro das decisões políticas que caracterizam a ação autárquica, saindo daqui a futura governação. Deixar cair a eleição direta de uma lista para a Câmara Municipal é um bom começo. Aliás, o atual paradigma, é contraditório, pois faz valer para as assembleias de freguesia, o que não quer para as assembleias municipais. Faz toda a diferença esta Mudança e se começarmos por aqui, conferindo, igualmente, às intervenções dos cidadãos um papel dignificante no diálogo com os deputados e executivo, estaremos a dar um enorme contributo para a validade da sua importância e a contribuir, seguramente, para uma alteração que se impõe. O nosso trabalho continua e quero crer que desta vez não estaremos sós a puxar a carroça. Haja boa e manifesta vontade.
Autor: Paulo Sousa
Por onde começar

DM
10 outubro 2021