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Ponto por ponto

O “circo televisivo” em volta do ex-presidente do Sporting chegou, aparentemente, ao fim com a sua destituição através de uma Assembleia Geral extraordinária. Desde Fevereiro e todos os dias, as televisões se refastelaram com a ementa “Bruno de Carvalho” e entretiveram o pessoal luso com episódios engraçados ou com figuras de terceira categoria que iam debitando matéria irrelevante para ocupar muito tempo de antena.

Outros protagonistas, os actores secundários da comédia, se juntaram ao anedotário e não lhe ficavam atrás na capacidade de dizer coisa nenhuma ou de entrar num jogo de poder desenfreado, sem jeito e amalucado. O futebol não é isto, nem deveria ser isto, mas está a ficar isto.

Ponto um - Em todos os canais, os comediantes, talvez um pouco imaturos para assumir funções directivas de topo e sequiosos de aparecerem na ribalta futebolística, gostavam de dar espectáculo fútil e gratuito a uma plateia que, incrédula e já cansada, ia aguentando com alguma indiferença o desenrolar dos acontecimentos. Em redor de grandes mesas de debate, os comentadores versados em todos os géneros da ciência futebolística, elaboravam repertórios recheados de argumentos sofisticados para tentar explicar o inexplicável. Apesar do frenesim gerado pelo fanatismo clubista, o futebol nacional tem esta vantagem: prende os telespectadores por coisa pouca e serve para despistar problemas de primordial importância para uma sociedade que se deixou e deixa enrolar e enredar por coisas verdadeiramente supérfluas e transitórias.

Ponto dois - Durante todo este tempo, o país comportou-se com uma irrelevância inaudita. Tudo parou praticamente na política nacional. Os assuntos candentes que normalmente provocam mazelas no funcionamento do Estado, como a greve dos professores e as fenomenais listas de espera para consultas médicas de especialidade, já para não falar nas cirurgias que ficam anos a aguardar, não tiveram o devido impacto nacional. O futebol tudo abafa. Então, tangido com alguma confusão e adornado com verborreia torna-se ideal para esconder as misérias desta democracia e a incompetência deste governo. Como é possível um país estar completamente atado a um problema de gestão e que diz respeito somente a um clube de futebol? Não haverá assuntos mais importantes na agenda das televisões para serem discutidos e analisados para poder provocar verdadeiros debates com o objectivo claro de contribuir para um melhor entendimento desta governacão que vai agonizando a olhos vistos?

Ponto três - Os partidos do poder gostam deste folhetim. E apostam nas cenas dos próximos capítulos que prometem dar à história um enredo bem caricato que culminará no agora “saio e não volto” para depois vir cheio de energia “daqui não saio e daqui ninguém me tira”. O que se tem passado com o Sporting é uma historieta rocambolesca que vai denegrindo a imagem já desfocada do futebol e, num espectro mais amplo, do próprio desporto.

Enquanto os portugueses se divertem com a comédia leonina e ocupam o seu tempo com estas brincadeiras na galhofa, o governo folga na sua habitual inacção governativa, as críticas merecedoras à displicência e ao laxismo não se fazem sentir e os assuntos importantes para discutir são estrategicamente adiados, adiando-se também e claramente as necessidades e as preocupações que vão assolando este povo e este país.

Ponto quatro - Tivessem a Saúde, a Educação, a pobreza, a demografia, os fogos florestais, entre outros assuntos vitais para o bom funcionamento do Estado a décima parte das preocupações dos portugueses e metade do tempo de antena do futebol, com certeza, estes dossiês já teriam tido um desfecho mais risonho, mais célere e bem mais eficiente. Mas, não é isso que tem acontecido. Discute-se demais o futebol e de menos a cidadania; perde-se tempo precioso com coisas de nada, quando o necessário e o inadiável ficam aguardar melhores dias que nunca chegarão; gastam-se argumentos com matérias enjoativas que só azedam a boa-disposição ainda disponível dos portugueses.

É assim, o país, o meu país. Lá vai ele prazenteiro, atávico e sonolento para o sítio do costume. O barulho é muito e a confusão ainda maior para tudo acontecer no mundo da bola. E viva a bola!


Autor: Armindo Oliveira
DM

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8 julho 2018