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Ponto por ponto

Veio, mais uma vez, ao de cima, uma das principais aptidões do dr. Costa como governante: um bom fazedor de taxas e de taxinhas. Este político é useiro e vezeiro nesta área inovadora de arrecadar receitas extraordinárias. Receitas obtidas sempre com os mantos diáfonos da subtileza e da artimanha. Foi assim na Câmara Municipal de Lisboa. É assim agora no governo.

Ponto um - A criação da Lotaria do Património, vulgarmente conhecida por “raspadinha da Cultura” é uma medida genial, exótica e descontextualizada socialmente pela sua abrangência focalizada e pela singularidade de querer instituir um jogo de sorte e azar para remediar uma situação de penúria que atinge o sector dos artistas e da Cultura. Esta medida revela também uma inusitada incapacidade de gestão, um sentido de Estado enviesado e, claramente, uma sensibilidade tacanha e pouco discernida para colmatar as lacunas de falta de dinheiro que atinge o Ministério da Cultura. As pressões dos agentes culturais, lobby com muito peso eleitoral e propagandístico, fizeram com que o governo não recuasse, perante as críticas cerradas que vieram dos mais variados sectores sociais e até do mundo político. Tudo é possível neste país, quando não há dinheiro e com fregueses sempre ávidos que esse dinheiro lhes caia nas mãos.

Ponto dois - O jogo da “raspadinha” é, hoje considerado uma chaga social que vai delapidando e destruindo, pela raiz, os magros recursos financeiros dos principais apostadores. O cliente apanhado e fidelizado deste jogo viciante é do estrato social mais pobre e, obviamente, mais dependente das ajudas das instituições de solidariedade. O resultado obtido, socialmente catastrófico, junta mais miséria à miséria, o que não é suficientemente inibidor e ponderado para que este governo, por acaso, socialista recuasse na sua desastrosa acção.

Ponto três - Agora, a “clientela” da jogatina cultural tem ao seu dispor não uma “raspadinha” para raspar e gastar, mas duas. Se a “raspadinha tradicional” já provocava danos no modo de vida das pessoas e das famílias que jogam sem parar, a nova “raspadinha” tem como horizonte cavar ainda mais a debilidade das condições de vida dos mais pobres. Conta o governo obter de receita cerca de 5 milhões de euros anuais, montante que será largamente ultrapassado, por certo. Enquanto uns vão esfregar as mãos de contente com os euros da dor, do vício e das lágrimas dos mais pobres, outros vão sacudir o cotão dos bolsos à procura de uns míseros cêntimos que podem restar para adquirem umas migalhas e enganar a fome.

Ponto quatro - Num país a sério, não pode valer tudo para se arrecadar receitas. Não pode valer tudo para satisfazer clientela eleitoral. Não pode valer tudo para fragilizar ainda mais aquela parte da sociedade já muito marginalizada e vulnerável. Não pode valer tudo para subsidiar a Cultura.

Fica mal a um partido que é pretensiosamente defensor dos mais pobres economicamente e dos mais debilitados culturalmente meter-se nestas coisas de “tirar” aos que pouco têm, para o dar a outros que pertencem aos “privilegiados” do sistema e com grande poder de propaganda e de influenciar as decisões dos governantes. O certo, é que, os “privilegiados” já se calaram.

Não fica nada bem a um governo estimular o jogo para um determinado fim por mais importante que seja esse fim. O caminho da jogatina não é o mais saudável, nem o mais recomendável. A economia de casino tem que, firmemente, ser repudiada e condenada. Haja bom-senso. Não pode valer tudo. É preciso retirar a máscara da hipocrisia e assumir.


Autor: Armindo Oliveira
DM

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30 maio 2021