Há dois “enigmas” político-financeiros que me intrigam e me causam sérios embaraços de entendimento. Gostaria de ser devidamente elucidado por quem sabe destas coisas. O primeiro enigma, refere-se a empréstimos de dinheiro com juro negativo; o segundo enigma é qualquer coisa completamente imperceptível numa gestão transparente. Ou seja, um governo a ufanar-se de ter contas certas com uma dívida pública em crescendo e perfeitamente mastodôntica.
Ponto um - Juros negativos - Vangloriava-se o meu amigo Zé do feito deste governo minoritário de se financiar nos mercados internacionais, pedindo milhares de milhões de euros mensalmente, com juro negativo. E continuava ele que a procura excedia sempre duas ou três vezes a oferta. Muito peremptório, rematava para terminar o amigo Zé que isso era sinal de confiança dos credores na economia nacional e até na qualidade do governo.
A pergunta coloca-se com toda a naturalidade e clareza: Como é possível alguém emprestar dinheiro a terceiros e no final receber menos capital do que o investido? Eu não percebo mesmo este tipo de operações financeiras. Ou isto se passa para lavar dinheiro ou alguém quer se armar em doidinho. Que é um caso estranho e complicado, não tenho dúvidas.
Ponto dois - Para melhor eu perceber este imbróglio ou esta política financeira de emprestar dinheiro a perder, vou tentar passar por essa situação de devedor. Ou seja, como investirei, largos milhares de euros, em breve, estou a pensar recorrer ao amigo Zé, pedindo-lhe esses milhares de euros que preciso, mas taxados com juro negativo. Assim, pagar-lhe-ei, no final, o capital de empréstimo menos o juro vencido. Contas feitas, vou pagar, a médio prazo, menos do que pedi. Como ele é muito ligado às solidariedades e contra tudo que tenha lucro, conto com a sua imagem e a sua sensibilidade de homem de esquerda para me ajudar. Se esta operação resultar, ficarei, por certo, com uma ideia precisa do funcionamento do juro negativo.
Ponto três - Outra “história” embaraçosa: as contas certas. O ex-ministro Centeno foi o grande génio das contas certas. Admirado por todos na Europa foi elevado aos píncaros da presidência da Eurogrupo e é uma celebridade na área da ciência das cativações, Até o carrancudo e “demoníaco” ex-ministro das finanças alemão, Wolfgang Schauble, talvez invejoso ou completamente maravilhado com os saberes do estratosférico Centeno, apelidou-o, com toda justeza, de Cristiano Ronaldo das Finanças, devido às suas enormes habilidades de transformar jogadas perdidas (desastres financeiros) em golos de encher o olho (sucessos que figurarão nos manuais da economia e das finanças de qualquer universidade). Enquanto esta operação de propaganda trespassava por todo o Universo, a dívida pública nacional ia somando uma carreirinha de zeros que se entrelaçava num número de gigantesca dimensão. Assim, passamos de 226 mil milhões de euros em 2015 para perto de 280 mil milhões de euros em Abril de 2021. A diferença entre os números até não é muita. E com propaganda menor é! A diferença está à volta de 54 mil milhões de euros. Coisa pouca! Tudo isto feito num período de vacas gordas e com a economia a crescer (?) acima da média europeia. E com “contas certas”. No final, vê-se que o país está a caminhar docemente para o lugar do “carro vassoura”.
Ponto quatro - Como prémio do excelente desempenho nas finanças públicas, no combate à austeridade, na revogação das medidas da Troika, na venda do Novo Banco ao fundo abutre “Lone Star”, nas injecções de capital na TAP, na resolução do problema dos lesados do BES, na salvação da banca nacional e em tantas operações governativas de charme e de propaganda, Centeno foi ocupar, por mérito próprio, o “trono” de governador no Banco de Portugal. Assim, com a nomeação, controla melhor os dossiês que enrodilhou e que tresandam a mofo.
Ponto cinco - A política, na sua capacidade imaginativa, descobre soluções verdadeiramente mirabolantes para resolver os problemas que a atinge. Às vezes, a tal solução entra nos campos do abuso do poder, como aconteceu com a violação da propriedade privada no Zmar. Outras vezes, faz arranjinhos para “perdoar” impostos, como aconteceu com a venda das seis barragens no Rio Douro à empresa Engie francesa. A política é um mundo que vive à parte, longe da realidade e mais longe ainda das necessidades das pessoas. Este governo é imparável. Se tem dinheiro, promete coisas do arco da velha. Se não tem, promete na mesma. Se tem dinheiro, cria ilusões. Se não tem, ilude na mesma. Entre promessas e ilusões, o pessoal até vai alinhando no jogo do faz-de-conta das “contas certas” e dos juros negativos. Até um dia...
Autor: Armindo Oliveira