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Ponto por ponto

Dizem-nos que o tempo é de unidade. Acredito que sim. De unidade nacional para melhor se vencer o “diabo” que temos entre portas. Sim, temos um enorme sarilho: o terror semeado, transmitido, instalado de uma “coisa” medonha, horrível. Dizem-nos que o tempo é de depositar as armas políticas e partir para outros combates. O combate pela vida, pela dignidade, pelo sossego. Dizem-nos que o tempo é de juntar energias e vontades. Sim, juntar. É preciso juntar a vontade de cada um de nós neste momento aflitivo, de desnorte, de confusão. Dizem-nos muitas coisas. Mas, digam a verdade. É disso que precisamos: sempre a verdade. Ponto um - O problema é gravíssimo e agudiza-se a toda a hora, ganhando contornos dramáticos. Pavor e pânico, dor e morte, numa metáfora realisticamente incompreensível, entrelaçam-se num amplexo impiedoso e brutal que vai retirando o sossego e a esperança a todos nós. O que fazer? Como fazer? Perguntas simples, claras e objectivas, mas de resposta complexa e irresolúvel. Pelo menos, no momento. Impotência completa, perante um inimigo invisível que se esconde nos seres mais frágeis. Ponto dois - Num ápice tudo se desmoronou. E sem contemplações. Olhamos as fantasias de um governo frágil que se eclipsaram. Olhamos as ilusões que se desvaneceram. Olhamos as vãs-glórias que se sumiram. Afinal, pouco valemos. Ou melhor, nada valemos. Pensamos que somos gigantes, hercúleos, dominadores, implacáveis e caímos perante uma “coisa” insignificante. Invisível. Intocável. Praticamente sem matéria. Caímos como um castelo de areia construído pelas mãos de uma criança na orla da rebentação. Caímos e, atónitos, olhamos para a nossa insignificância. É preciso parar para pensar neste drama. É preciso. Sem demoras. Parar para reflectir nesta hora difícil e nesta caminhada louca em busca de prazeres amargos que nos envolve e nos anestesia uma realidade que não queremos ver. Não queremos sentir. Não queremos, simplesmente, pensar. É pena. Não fosse a vida uma benção divina construída na perfeição. Ponto três - Dizem-nos. Dizem-nos para não olharmos para o passado. Não vale a pena. Passado é tempo perdido, tempo passado. O passado é passado. Não tem história. E historia não rima com erros e com lições. Não aprendemos nada com os homens eminentes e com os seus exemplos de vida. Passado não rima com nada. Passado é vazio, impreciso, castrador. Não queremos algemas, não queremos limitações. Dizem-nos para não vislumbramos o futuro. O que é o futuro? Não sei! É coisa distante. Lá para diante. Longe, muito longe. Uma visão. Talvez não exista sequer. Se não existe, não importa olhar pelo postigo da vida se não o agarramos. Não o sentimos. Nem podemos lá chegar. Para que serve esse futuro? No futuro não se vive. No futuro não há ilusões. E fantasias. E loucuras. Dizem-nos para viver o “já”. Com intensidade, com alarido, com delírios, porque a vida se apaga num instante. Instante é o “já”. De resto pouco importa. Não importa esmagar ou violar as nossas convicções, as nossas ansiedades, os nossos sonhos. Corremos, depressa demais, às cegas, à procura do “já”. Queremos o “já”, custe o que custar. Não olhamos a meios para lá chegar. Para chegar às ilusões, às fantasias, às vãs-glórias. E, no final, implacável o vazio vem nos abraçar, lembrar, até, da caminhada sem norte que encetamos. Com os pés doridos. Com os músculos doridos. Com a alma dorida. E, quando damos por ela, o “já” é passado. E a dor fica. Ponto quatro - Sem querer, olhamos depois da viagem, para trás, ao de leve, de relance e não vemos nada de palpável que nos oriente, que nos ilumine o caminho, nestes momentos de pavor, de impotência perante a força gigantesca de uma “coisa” insignificante que nos arrasa, que nos amedronta, que nos humilha. E nós a pensar que éramos gigantes, hercúleos, dominadores, implacáveis. Para quê a arrogância, o cinismo, a soberba de uma postura ridícula que se esvai na espuma do tempo. E ficam as questões: quem somos? Nada ou uma benção divina?
Autor: Armindo Oliveira
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29 março 2020