Apesar de todas as suas alterações e adaptações nos últimos 30 anos, o artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição) consagra 3 princípios fundamentais que regem o Serviço Nacional de Saúde (SNS): universalidade, generalidade e tendencial gratuitidade.
Prevê ainda a nossa Constituição, uma transversalidade na introdução do conceito de saúde em todas as políticas que inclui, nomeadamente, políticas públicas relacionadas com a promoção da saúde e seus determinantes sociais.
No entanto, em boa verdade, não é suficiente alegar que se concedem garantias genéricas sobre acessos universais e gratuitos à saúde, quando na realidade as pessoas não o têm.
O surgimento deste contexto pandémico veio colocar à prova a capacidade do Estado em transpor para a prática o consagrado no conjunto normativo supremo do nosso país, nomeadamente a capacidade de regular, financiar e prestar os melhores cuidados de saúde com os recursos disponíveis, de forma a tentar proporcionar um tratamento igual para necessidades iguais e reduzir as significativas desigualdades no acesso aos mesmos.
Para os cidadãos, na grande maioria dos países, a par com as matérias económicas, a saúde permanece uma prioridade essencial.
As expectativas são crescentes em relação à sua prestação, o que contribui também para que esta se mantenha uma “questão política”.
Parece, porém, que o Estado, à luz das constantes notícias sobre evidentes desvios ao normal funcionamento das instituições, comporta-se como o aluno que, aflito, se limita a estudar em cima da data do exame, com as tradicionais consequências que, não raramente, se verificam nessas situações.
Parece não se ter aprendido muito...
Subsiste em Portugal um modelo de governação reactivo, em detrimento de um registo de planeamento estratégico onde se comece a avaliar e analisar evidências e a perceber porque é que não conseguimos aprender, planear e, com isso, implementar uma prática efectiva de transformação das instituições.
Num país, real ou imaginário, cuja política de saúde é baseada em evidência, define-se o que é investimento necessário e investimento supérfluo; distinguem-se condutas ineficientes e danosas (sobre ou subdiagnóstico e/ou tratamento) de benefícios essenciais; define-se o conceito de valor e o uso de dinheiro eficiente; orientam-se prioridades e estratégias, e reduzem-se conflitos e interesses.
Nesse país há tempo para “parar e pensar”, faz-se uso de políticas efectivas de prevenção e aposta-se fortemente na inovação.
E nesse país, há também controlo da actividade, através de um conjunto de mecanismos que permitem que os responsáveis, os gestores das organizações, prestem contas e sejam responsabilizados pelos resultados das suas acções ou omissões (accountability).
Em suma, há bom uso de evidência (global e local) disponível e zelo no controlo de acções em prol do bem e segurança das pessoas que vivem com doença e não apenas dos aspectos económicos e na utilização de recursos às custas do dano.
Acompanhadas pelos nossos profissionais e envolvendo o doente, enquanto elemento central de todo este sistema, sublinha-se a necessidade do recurso à evidência, nomeadamente científica, na definição e concretização de políticas de saúde acertadas.
E para isso não precisamos mudar de país…
Autor: Mário Peixoto