Durante séculos, talvez logo a seguir à derrota em Alcácer-Quibir onde morreu o jovem rei D. Sebastião, principiou em Portugal a ideia de que um milagre o traria em manhã de nevoeiro e com ele a restauração da soberania perdida a favor de Filipe II, rei de Espanha. E esta fé generalizou-se e tornou-se num sonho constante de todos os portugueses, quase um desígnio nacional. A fé no milagre de última hora era tão avassaladora que grande parte destes crédulos esperavam por ela ser contemplada. O rei nunca voltou das terras de Marrocos. Quanto tempo esteve com os portugueses este sentimento milagreiro? Julgo que muitos séculos. Sempre que havia um desaire nacional, lá vinha a possibilidade do milagre resolver a questão. Era a força oculta duma fé ingénua. E Portugal refugiou-se nesta fé e nunca expulsou de si este fatalismo. Esta mesma fé, à luz de hoje, ainda vive das glórias passadas, ainda enche a alma nacional com os feitos épicos e nelas banhamos a nossa satisfação, dizendo fomos grandes no passado; tão grandes que até dividimos o mundo ao meio com a Espanha. Assim fomos, mas hoje assim não somos e assim agarramos o futuro. Quem vive do passado cria raízes velhas, pára no tempo e ganha bolor. Quando o futuro bateu à porta, primeiro pela industrialização e depois pela globalização, a seguir pela europeização, mais esta que aquelas, acordamos do sonho do ontem e vimos, como estremunhados, que o a manhã não vem em dia de nevoeiro; as glórias daqueles que foram “dando novos mundos” devem servir como fermento e não como pão porque o pão de cada dia é diferente do pão que comemos ontem. Agora para ganhar o pão de hoje era preciso competir com quem produzia mais, melhor e mais barato. Estremunhados, talvez assustados, depressa vimo-nos na necessidade de sermos capazes de estugar o passo e estar ao lado dos que já lá estavam. A União Europeia não era o limite porque, quando lá chegamos, já eles tinham os seus clientes. Queriam o alargamento para fazer de nós pontos de venda dos seus produtos. A doutrina da solidariedade era e foi uma falácia. Os nossos produtos dificilmente entravam no comércio europeu. Então aprendemos que a europa era pequena e os nossos foram-se a outros mercados. Com dificuldades inerentes para aqueles que chegam depois; era preciso acotovelar para ganhar espaços. E estes só se ganham pelo trinómio, quantidade, preço e qualidade. Foi aqui que aniquilamos o fatalismo do regresso de D. Sebastião. Neste mundo de negócios não há lugar a sebastianismos. A história é para recordar o passado, a realidade é para conquistar o presente. Ainda há quem se deixe dominar pela nostalgia do passado. São os que se deixam afogar sem esbracejar para nadar; mas há potencialidades nacionais que trazem a lume a coragem dos de antanho: os êxitos desportivos que os portugueses vão alcançando, quer a nível individual, quer a nível coletivo, vão criando “carne” no orgulho de sermos portugueses; demonstram que somos tão capazes como outros. E aqui também percebemos que engenho e arte só chegam quando o suor tiver a cor do esforço. Para lá dos desportistas temos figuras nacionais de destaque na política europeia, gestores em bancos de dimensão internacional, prémios de distinção para cientistas portugueses, financiamentos estrangeiros para projetos científicos, diretores laboratoriais em projetos estrangeiros. Não vivemos como minhocas envergonhadas debaixo da pedra do passado. Perdemos D. Sebastião mas ganhamos uma alma nova e como disse Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Autor: Paulo Fafe