Os crimes eleitorais são hoje residuais no quadro geral dos ilícitos penais e ainda bem. O Relatório Anual de Segurança Interna de 2018 refere 40 crimes eleitorais participados em 2017 (ano de eleições); é sinal da consolidação da democracia.
Adensa, porém, esta pouca participação que alguns fiscalizadores não estarão, por um lado, familiarizados com as suas competências e possibilidades ou, por outro lado e em maior força em circunscrições mais pequenas, por estarem mais sujeitos a pressões subliminares: é o vizinho que olha de lado, o papelzinho que se quer, um pedido que o poder pode desbloquear. Importa que os fiscalizadores sejam mais conhecedores e esclarecidos para o que os partidos devem cooptar os melhores quadros ou formar, com recorrência, potenciais representantes para o efeito.
Em véspera das últimas eleições veio à estampa em Jornal Nacional o caso de político bracarense experimentado, tido como um “dinossauro” que, nas últimas autárquicas, após 3 Reclamações de Delegados da “Coligação Juntos por Braga” foi alvo de igual número de processos-crime de natureza eleitoral, posteriormente agregados num só. Depois de diligências de prova, de parecer da Comissão Nacional de Eleições e a constituição daquele como Arguido e seu Interrogatório, o Ministério Público entendeu estar suficientemente indiciado o crime eleitoral de “Obstrução à Fiscalização” por impedimento de exercício das competências dos Delegados no acto eleitoral.
O parecer da CNE de 21/12/2017 (Acta n.º 117/CNE/XV) é claro quanto ao subsumir dos factos ao crime, indo até mais longe considerando, hipoteticamente, a imputação do mesmo às mesas por impedirem a fiscalização das tarefas que a lei determina “inequívoca e peremptoriamente”. Só assim poderia ser, face à importância das funções desempenhadas pelos Delegados, ao nível da garantia do regular e legal funcionamento das operações eleitorais, sendo de mediana conclusão a danosidade social e desvalor ético-social da conduta.
Entendeu, pois, o Ministério Público que o Arguido “agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que era obrigado a permitir a entrada dos delegados das candidaturas antes da abertura do acto eleitoral, designadamente para verificarem se as urnas se encontravam vazias, o que não fez, como era seu propósito” e porque “sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal” requerendo ao Juiz de Instrução a suspensão provisória do processo pelo período de 4 meses e impondo ao Arguido a condição deste prestar 100 horas de trabalho a favor da comunidade sob supervisão da Direcção-Geral de Reinserção Social. Este aceitou evitando, assim, acusação certa e julgamento com eventual condenação e pena acessória de suspensão de direitos políticos. Ao menos não nos quedamos pelo habitual “não passa nada”.
Quem tinha de agir, agiu! Foi, seguramente, uma lição de democracia! Não me regozijo com este desfecho apesar de ter sido um dos Delegados Reclamantes, antes me entristece – como disse em comentário ao Jornal i – que situações desta continuem a ocorrer 45 anos depois do 25 de Abril em sede de actos eleitorais, fundamento primeiro e mais nobre da democracia e, neste caso, numa freguesia urbana da terceira cidade do país, levada a cabo por quem teve durante décadas (e continua a ter) cargos políticos, na data dos factos Presidente da Junta de Freguesia, actualmente Presidente de Assembleia de Freguesia de Gualtar. Não sabemos o que concorreu para esta atitude, se imprudência, velhos hábitos, stress ou inconsciência políticas, sensação de impunidade, sentimento de “dono disto tudo” ou outra qualquer circunstância.
Agora que foi preciso os jornais trazerem à liça este desenlace fica a questão: o Partido Socialista (sempre arauto da ética republicana) em Braga mantém a confiança política no Presidente da Assembleia de Freguesia de Gualtar em funções? E julga este, após esta mácula, ter condições para continuar a desempenhar um cargo que importa neutralidade, probidade, poder de disciplina, capacidade de imposição do cumprimento da lei e regularidade de deliberações?
Autor: António Lima Martins