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Paz na verdade

No discurso de Ano Novo a que comecei por me referir o Papa Francisco tece um conjunto de muito pertinentes reflexões em relação a cada um dos quatro pilares sobre que assenta o edifício da paz. Transcrevo, de seguida, partes substanciais desse discurso relativamente à paz na verdade.

1. Construir a paz na verdade significa, antes de tudo, respeitar a pessoa humana, com o seu «direito à existência e à integridade física», devendo-lhe ser garantida «a liberdade na pesquisa da verdade (…) e na manifestação e difusão do pensamento».

Apesar dos compromissos assumidos por todos os Estados de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de cada pessoa, ainda hoje, em muitos países, as mulheres são consideradas cidadãos de segunda classe. Objeto de violências e abusos, é-lhes negada a possibilidade de estudar, trabalhar, expressar os seus talentos, ter acesso aos cuidados médicos e até mesmo à alimentação.

2. A paz requer, antes de mais nada, que se defenda a vida, um bem que hoje é posto em causa não só por conflitos, fome e doenças, mas muitas vezes até mesmo pelo ventre materno, afirmando um pretenso «direito ao aborto».

Ora ninguém pode reivindicar direitos sobre a vida doutro ser humano, especialmente se inerme e desprovido de qualquer possibilidade de defesa.

É responsabilidade primária dos Estados garantir a assistência aos cidadãos em todas as fases da vida humana, até à morte natural, possibilitando a cada um sentir-se acompanhado e cuidado inclusive nos momentos mais delicados da sua existência.

3. O direito à vida é ameaçado também onde se continua a praticar a pena de morte.

A pena de morte não pode ser utilizada por uma pretensa justiça de Estado, pois não constitui uma dissuasão, nem oferece justiça às vítimas, mas alimenta apenas a sede de vingança.

Nunca se esqueça que uma pessoa pode, até ao último momento, converter-se e mudar.

4. Infelizmente, parece aumentar cada vez mais o «medo» da vida, que se traduz, em muitos lugares, no temor do futuro e na indisponibilidade para formar família e trazer filhos ao mundo.

Nalguns contextos verifica-se uma perigosa queda da natalidade, um verdadeiro inverno demográfico, que põe em perigo o próprio futuro da sociedade.

5. Os medos encontram alimento na ignorância e no preconceito para depois degenerarem facilmente em conflitos. A educação é o seu antídoto.

Educar exige sempre o respeito integral da pessoa e da sua fisionomia natural, evitando a imposição duma visão nova e confusa do ser humano.

Isto implica integrar os percursos de crescimento humano, espiritual, intelectual e profissional, permitindo à pessoa libertar-se das múltiplas formas de escravidão e afirmar-se na sociedade de forma livre e responsável.

Que os Estados tenham a coragem de inverter a embaraçosa e assimétrica relação entre a despesa pública reservada à educação e as verbas destinadas ao armamento.

6. A paz exige também que se reconheça universalmente a liberdade religiosa. É preocupante que haja pessoas perseguidas apenas porque professam publicamente a sua fé; e são muitos os países onde a liberdade religiosa é limitada. Cerca de um terço da população mundial vive nesta condição.

Juntamente com a falta de liberdade religiosa, há também a perseguição por motivos religiosos.

Não posso deixar de mencionar, como mostram algumas estatísticas, que, em cada sete cristãos, um é perseguido.

7. É frequente ouvir atribuir-se à religião os vários conflitos que acompanham a humanidade, não faltando, infelizmente, deploráveis tentativas de fazer uso instrumental da religião para fins meramente políticos. Mas isto é contrário à perspetiva cristã, que indica a raiz de todo o conflito no desequilíbrio do coração humano, como nos recorda o Evangelho: «É do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Mc 7, 21).

O cristianismo incita à paz, porque estimula à conversão e ao exercício da virtude.


Autor: Silva Araújo
DM

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2 fevereiro 2023