Há dez anos, no dia 31 de agosto de 2012, falecia o Cardeal Carlo Maria Martini, Arcebispo emérito de Milão. Comecei a admirá-lo no momento em que, como estudante de Teologia, tomei contacto com os seus livros e posteriormente o escutei, em Roma. A sua grandeza e caráter ilustre tornam difícil a tarefa de o apresentar em tão curto espaço, mas nem por isso posso deixar de o fazer.
Carlo Maria Martini nasceu a 15 de fevereiro de 1927, em Turim, sendo seus pais Leonardo Martini e Olga Martini. Pretendiam que fosse médico e ficaram surpreendidos quando, com 17 anos de idade, o filho optou pela vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesus. Feito o curso de Teologia, foi ordenado sacerdote, em Turim, no ano de 1952.
Seguiu para Roma, a fim de continuar estudos na Universidade Gregoriana e, após isso, no Pontificio Istituto Biblico, onde, em 1962, começou a lecionar. Aí, não apenas foi professor, como também decano e reitor. Em 1969, Paulo VI nomeou-o Magnífico Reitor da Universidade Gregoriana, cargo que exerceu até 1978. Por estes anos, publicou um comentário ao livro dos Atos dos Apóstolos e diversos outros estudos científicos; pregou exercícios espirituais, inclusive para a Cúria Romana, a convite de Paulo VI; e empenhou-se no diálogo ecuménico e de aproximação ao mundo judaico. Além disso, foi o único católico que integrou o comité internacional que preparou a edição crítica The Greek New Testament, editada pela Deutsche Bibelgesellschaft e pela United Bible Societies, em 1966.
A 29 de dezembro de 1979, foi nomeado arcebispo de Milão pelo Papa João Paulo II, tomando posse da diocese a 10 de fevereiro do ano seguinte. Rapidamente se destacou por duas das muitas iniciativas que aí levou a cabo: a “Escola da Palavra”, com o intuito de aproximar os leigos da Sagrada Escritura; e a “Cátedra dos não crentes”, encontros em que dialogava com pessoas “em busca da verdade”. Famosos se tornaram também os programas pastorais com que alimentava a fé e a reflexão dos católicos da maior diocese do mundo. Foi também João Paulo II quem o constituiu Cardeal, a 2 de fevereiro de 1983.
Em 1987, foi eleito presidente do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE), cargo que ocupou até 1993. No ano 2000, recebeu o prémio Príncipe das Astúrias, em Ciências Sociais. Durante todos estes anos, foi uma voz muito ouvida na Igreja Universal e, por isso, muitas vezes apontado como possível sucessor de João Paulo II, mesmo se não desejado pela Cúria Romana.
Em 2002, passou a arcebispo emérito e optou por viver em Jerusalém, entregando-se ao estudo e à oração. Por razões de saúde, regressou à Itália, onde veio a falecer a 31 de agosto de 2012. No epitáfio da sua sepultura, localizada numa capela da imponente catedral de Milão, está reproduzido o v. 105 do Sl 119: “A tua palavra é farol para os meus passos e luz para os meus caminhos”.
São inúmeros os livros que escreveu pela própria mão ou que surgiram a partir das suas preleções. Eis apenas alguns: Em que crê quem não crê (cartas trocadas com Umberto Eco), Procuro uma verdade..., Falar com o coração, Quem é Jesus?, Tomados de Assombro, Bíblia e vocação, Que beleza salvará o mundo?, A prática do texto bíblico, Colóquios noturnos em Jerusalém, na quase totalidade traduzidos para português.
Na mensagem que enviou para ser lida no seu funeral, o Papa Bento XVI recordava-o como “generoso e fiel pastor da Igreja, incansável servidor do Evangelho e da Jerusalém celeste”. Acrescentava ainda que “ele soube ensinar aos crentes e aos que buscam a verdade, que a única palavra digna de ser escutada, aceite e seguida é a de Deus, porque indica a todos o caminho da verdade e do amor”.
Também por cá houve reações à sua morte: “Impressionava pela sua simplicidade, cultura, clarividência, coragem. Vivia o Vaticano II a sério e nele se inspirava nas suas intervenções públicas e nos seus escritos, sempre apreciados pelo indiscutível valor e clarividência” (D. António Marcelino, Correio do Vouga, 6 de setembro de 2012).
Em síntese, Carlo Maria Martini foi um biblista notável, um professor insigne e um pastor dedicado. Leio e releio os seus escritos, neles me inspiro e deles retiro um enorme proveito espiritual e pastoral. Deixou-nos há dez anos, mas, por ser intemporal, o seu legado permanece.
Autor: P. João Alberto Correia