twitter

Passar ou reprovar?

Na escola havia, e ainda há, suponho, um princípio que premiava o mérito: quem sabia passava, quem não sabia reprovava. Foram assim escolarizadas gerações atrás de gerações; este princípio foi aceite pela sociedade como óbvio. Depois a palavra reprovação era fascista, retrógrada, traumatizante e inventou-se, para não melindrar, para não traumatizar, para não defraudar quem não estudava, o eufemismo retenção. Mas com eufemismo ou sem ele a verdade é que o aluno que não sabia continuava sujeito a repetir o ano. Mais tarde, Ana Benavente, secretária de Estado da Educação no governo de António Guterres, quis implementar a ideia de que, se o aluno não chega ao currículo, deve o currículo chegar a ele. Era a velha montanha de Maomé. O aluno era aprovado em currículo cada vez menor, até que, quando já não havia currículo, venceria o aluno. Ficamos com a ideia de que deveria haver tantos currículos quantos os degraus duma escada que só descia. Estas variações e tentativas de encontrar a fórmula mágica de ganhar a guerra das reprovações, por muitos conceitos e trejeitos que se lhes dêem, encontram sempre esta realidade insofismável: quem sabe passa, quem não sabe não deve passar de ano. Até que apareceu uma causa patriótica: era preciso trabalhar para a estatística, para estrangeiro ver. Tentou-se inventar argumentos e discursos pedagógicos para esconder esta verdade da escola; compreende-se esta artimanha, embora sorrindo de desgosto, mas que não colhe em ninguém a verdade da verdade: saber. A escola é saber, o resto é mistificação; a estatística procura criar uma imagem de sucesso que é falsa porque alicerçada em aproveitamento de insucessos. Há chapelada nisto. Com premissas falsas não há silogismos verdadeiros. A estatística é uma verdade matemática, mas não é uma verdade escolar. E o aluno, que devia avultar neste contexto como figura por inteiro e ser preocupação pela dignidade de homem em formação, aparece como um número promovido a percentagem; fica cada vez mais distante do que a sociedade espera e exige dele. A escola atual, já o disse, perdeu a sua valência como local de formação integral do indivíduo e virou uma oficina de moldes de qualidade; agora prepara-se, ou melhor, o governo prepara-se para que ela faça moldes em quantidade .Qualidade para quê? Quantidade, sim, para estrangeiro ver. Isso é o que está a dar. Não tenhamos ilusões quanto a isto: a estatística matou o saber. Mas sem saber não há progresso e sem ele não há riqueza para distribuir. E na vida profissional não há também reprovações? Quem chama novamente o carpinteiro, o ferreiro, ou o advogado quando fazem mal o seu trabalho? Ninguém. E deveria esta mesma sociedade, que é a escola que seleciona os melhores, aprovar a janela que emperra, o teto que deixa entrar água, ou a causa perdida? Não. Então, se não os aprova, como vai a escola aprovar aqueles que falharam nas disciplinas curriculares?! Estamos a enganar quem? A escola ao aprová-los sem saber, comete uma fraude, dando a perceber aos jovens que na vida tanto faz fazer bem como fazer mal, porque a aprovação acabará por aparecer. Estamos a enganar uma geração. Eu não colaboro. Julgo que a escola não deve ir nesta trapaça. Ninguém reprova!! Mas se a vida reprova os piores, por que há de a escola ser diferente?

Destaque

A escola ao aprová-los sem saber, comete uma fraude, dando a perceber aos jovens que na vida tanto faz fazer bem como fazer mal, porque a aprovação acabará por aparecer. Estamos a enganar uma geração.


Autor: Paulo Fafe
DM

DM

2 dezembro 2019