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Páscoa: libertação de todos os medos

Escrevo na manhã de quinta-feira para corresponder ao pedido do Director. Corroboro o magnífico texto do cónego José Paulo Abreu sobre os figurantes das procissões desta Semana. Não faltam os que perguntam que é que a Igreja faz nesta epidemia. E não podemos limitar a nossa resposta a mostrar as iniciativas de ordem sócio-caritativa, que são muitas e deveras interessantes, mas apenas um espelho, que será muito baço se, realmente, todos nós, Povo Santo de Deus, não assumirmos em pleno e com genuína alegria a nossa condição baptismal. Antes de mais, procurando viver a nossa fé enquanto adesão pessoal ao Senhor da Vida e da morte, expressa na leitura, escuta e meditação da Palavra de Deus; na recitação da Liturgia das Horas; na participação na eucaristia difundida pelos meios de comunicação social, com a inseparável comunhão espiritual, que o Papa ajuda a viver em cada celebração de Santa Marta; no terço em família e tantas outras orações da devoção popular a que podemos recorrer com proveito. Na quarta, dia 8, o Papa Francisco iniciava a celebração da eucaristia – não participei em directo às nossas 06 h, mas mais tarde pela TV2000 – propondo esta intenção: «Rezar pelos que, nestes momentos tão difíceis, se aproveitam e lucram com as necessidades dos outros, para que o Senhor toque o seu coração e os converta». O resto da celebração foi como qualquer missa normal, embora acompanhada a cânticos, quase todos gregorianos e com suporte de órgão. Dois pontos altos, além dos devidos momentos de silêncio e da proclamação viva e sentida das leituras: a Homilia e o momento de adoração individual diante de Jesus Sacramentado, exposto na Custódia sobre o altar, após a comunhão. 10 minutos de absoluto silêncio orante e contemplativo!! A homilia, centrada nas leituras, com o Papa folheando o leccionário e sublinhando com gestos, silêncios e entoações – ouvindo-se até o arfar da sua respiração – os pontos que mais lhe chamaram a atenção: a traição de um discípulo que, afinal, nunca foi realmente discípulo verdadeiro, porque dominado pela ganância do dinheiro. «Quem ama o dinheiro, mais cedo ou mais tarde, acaba por trair», asseverou. Acrescentando que há muitos judas institucionais, mas que também pode existir em cada um de nós um pequeno judas que trai, porque se deixa levar pelo dinheiro, o bem-estar, o alheamento perante o drama dos outros, etc. «Tu, judas, onde estás?», questionou-se e questionou-nos a todos. Quando somos tentados a pensar que em nós não há nada de Judas, interroguemo-nos: com que entrega eu rezo, participo e, se for o caso, celebro a eucaristia? Que se reza nas nossas casas e comunidades? Porque há tanta pressa na recitação das orações e tão poucos momentos de silêncio? Mostramos de verdade que somos discípulos realmente apaixonados pelo Mestre, ou o modo como rezamos e celebramos denota embotamento, rotina, cansaço? E isso não é traição ao amor de Deus? Celebrar os mistérios sagrados, sobretudo a eucaristia, é proclamar e professar com a mente e sobretudo com o coração, que Jesus nos liberta da morte e até do medo da morte, porque este medo escraviza-nos. E Deus quer-nos realmente livres. O crente deve sobretudo maravilhar-se de que Deus se incline com ternura sobre os mais débeis. Deste assombro, nasce um coração novo no crente para que imite o Senhor na sua preocupação pelos mais débeis. Só assim, sem a preocupação do que se diga nas redes sociais, nós saberemos estar presentes junto dos outros, apesar de confinados, usando com verdadeiro amor os meios que, hoje, felizmente, temos à mão. E há tantos e tão maravilhosos exemplos! Chamou-me vivamente a atenção o testemunho de uma mãe, residente em Madrid. com 6 filhos, o mais novo com 6 meses e o mais velho com 8 anos, cujo marido é médico e passa 24 horas no hospital e por vezes 32 seguidas, relatando como conseguia dar atenção a tudo e todos em tais condições. A foto dos 6 filhos com as palmas na mão, no Domingo de Ramos, em casa, é um Poema. Poema dos Poemas de um amor, alimentado pela fé cristã, como ela gozosamente confessa. «Páscoa é o Dia que o Senhor fez/ Exultemos e cantemos de Alegria! Percorramos os caminhos dos homens / Ao encontro, neles, do Cristo Pascal». Onde está a Igreja, nesta crise? Mais que nunca, nos milhões de igrejas domésticas – as famílias – que professam e vivem uma fé cristã autêntica, esclarecida, sentida. Uma Fé Pascal, embebendo a vida de sentido, paz, amorosa solicitude, ajuda mútua e Alegria! Isto é Páscoa!!!
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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11 abril 2020