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Para uma vida centrada em Deus. Estar atento às 'distracções' de cada dia

Muito rico o texto do padre Adolfo Nicolás, Padre-Geral dos Jesuítas de 2008 a 2016, falecido em 20 de Maio, e de que já demos alguns tópicos no texto de 6 de Junho. O que ele diz que pode acontecer com os discípulos de santo Inácio de Loiola aplica-se a cada um de nós. Sabê-lo, ajudará a não andarmos tão facilmente 'distraídos' do essencial: «comprometermo-nos a encontrar a vontade de Deus juntos, como um corpo, uma comunidade de fé, missão e amor». Este, aliás, é o verdadeiro sentido da obediência evangélica. A distracção maior e central é o eu. «O nosso ego nunca descansa, e atrairá sempre a nossa atenção para si mesmo... o ego é a maior fonte de distracções ao longo da nossa viagem pela vida». Isso ocorre quando: «o foco das nossas mentes e corações está fora de lugar. Experimentar contradições ou dificuldades – por vezes, inclusive, sérias – faz parte de viver e comunicar o Evangelho». Mas a pessoa «verdadeiramente espiritual vive esta experiência com uma enorme liberdade interior que a conduz a uma intimidade mais próxima com Deus, com a verdade, com os pequenos, que são os verdadeiros especialistas em sofrimento... Centrar-se no eu incompreendido ou ferido acaba por ser uma distracção gigantesca». Outra distracção insidiosa é a de nos «enamorarmos das nossas próprias opiniões, especialmente se pensamos que elas são inteligentes, as melhores de todas». Mais 'perigosas' ainda se se trata de «ideologias e opções ideológicas» em que, muitas vezes, «inclusive a teologia funciona como uma ferramenta para os interesses ideológicos, e converte-se numa distracção». É «sempre mais fácil ir só, com inspiração pessoal... e chamar-se profeta, do que discernir com os demais e ter que lidar humildemente com as debilidades do nosso pensamento ou as nossas sugestões». Há distracções mais comuns nos dias de hoje, relacionadas sobretudo com os meios de comunicação, equipamentos, internet, e também mais fáceis de detectar, mas em que se cai com enorme facilidade. E se, à data da tomada de notas, tivesse existido já o COVID, mais elas se manifestariam. Estão mesmo à frente de todos nós, e poucos de nós poderíamos reclamar imunidade total ou parcial diante delas. Claro que, mais do que nunca, necessitamos destes meios e de alguns dos equipamentos. Mas a pergunta verdadeira é: «porque sentimos que somos, de alguma maneira, inferiores se não estamos actualizados neles? Porque nos sentimos tão mal sendo diferentes? Porque é tão importante para nós ser aceites, ser parte da equipa?». A verdadeira questão que nos coloca a nova cultura da informação é: «Queremos informação ou queremos compreensão? Velocidade ou profundidade? Centrar-se em Cristo ou navegar pela internet?». Certamente que não são opções exclusivas, mas «podem tornar-se tão reais na nossa vida não atenta como qualquer outra distracção». Algo que o Papa Francisco não se cansa de repetir: «quando o nosso crescimento intelectual não termina em oração, adoração, ministério», tendemos a pensar « que o que não encaixa com as minhas teorias não tem significado; que se não posso encontrar 'o sentido', é um 'sem sentido'. E somos bastante intolerantes com os disparates, e adoptamos a típica postura imatura do 'tudo ou nada', convencendo-nos de que, se não estou de acordo, não tem sentido». Santo Inácio saiu desta tendência com as suas regras para sentir com a Igreja. Não o preocupava o que tinha sentido para ela, mas o que tinha sentido para as pessoas, as pessoas simples do seu tempo, os fiéis simples na Igreja». Santo Inácio recomendava que se louvasse tudo o que «ajuda as pessoas na sua devoção, oração, sentimento de proximidade com Deus e a sua Igreja». Acrescentava: «não nos distraiamos com nós mesmos, com as nossas ideias, nossos gostos ou desgostos, nossas opiniões e teologias, mas consideremos as pessoas caminhando e vivendo na presença de Deus. 'Esquece-te de ti mesmo e defende a vida destas pessoas'». É esta lição que retira do estudo da vida dos grandes jesuítas: «homens de uma só peça: inteiros, dedicados, consistentes, bem orientados, e não distraídos no maximamente mínimo». O plano de Deus por eles traçado e vivido foi sempre um plano para o universo, e não só para a família humana. Este desafio é para todos nós de candente actualidade.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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20 junho 2020