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“Pais pressionam médicos para receitarem calmantes aos filhos”

1. Este título foi notícia e destaque no JN, em 31 de Março. Mesmo admitindo que haja nele uma força de expressão, a extensão de verdade que tiver será sempre um espelho dos efeitos das tensões sociais sobre as relações familiares e das consequências que isso pode ter na saúde mental das crianças. Um ambiente social tenso acaba por afectar a tranquilidade do Lar e fazer com que os Pais tenham menos paciência para estar com os filhos e sejam tentados a recorrer aos médicos para os ajudarem, receitando-lhe “calmantes” (falaremos disso em próximo artigo); da parte das crianças, esse ambiente tenso pode fazer com que sintam menos atenção e acolhimento e isso as deixe emocionalmente perturbadas e esse mal-estar provoque conflitos familiares e comportamentos reactivos menos adequados. E este mal-estar acaba sempre por ser transportado para a Escola, traduzindo-se nos comportamentos e interacções relacionais, menor disponibilidade de atenção e menor aproveitamento. Ora, este quadro remete-nos mais para a síndrome daInstabilidade Psicomotorado que para a síndrome dePerturbação da Hiperactividade. E é aí que este título pode ter razão. É que, à partida, parece duvidoso que todos esses comportamentos sejam redutíveis à síndrome de PHDA, uma designação nosológica consagrada no DMS-IV que significa perturbação hiperactiva e défice de atenção, um transtorno neurobiológico, de causas genéticas,que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vidae cuja característica principal é um padrão persistente de desatenção e hiperactividade com consequências de risco no comportamento, na integração social, nas dificuldades de aprendizagem escolar e na constituição e estabilidade das relações de afectividade (há quem associe esta perturbação ao desenvolvimento, descrevendo-a como uma “perturbação do desenvolvimento caraterizada por dificuldades ao nível da atenção, da hiperactividade e /ou impulsividade”). Admite-se que haja entre 3 a 5% de casos nas crianças com esta síndrome, o que me parece uma percentagem muito elevada. Actualmente, nos Estados Unidos da América, as crianças portadoras de PHDA (ou TADH) são protegidas por lei quanto a terem direito a receber apoio diferenciado nas escolas.

2. Relacionado com o assunto em epígrafe, a D.G. Saúde publicou um Relatório onde se diz que, em 2015, se registou um consumo de 5 milhões de dosesde Ritalina receitada a crianças dos 0 aos 14 anos. É um consumo receitado muito alto e muito preocupante onde parece difícil não haver alguma confusão entre Instabilidade Psicomotorae Síndrome Hiperquinético(PHDA), o que apela, desde logo, para a necessidade um diagnóstico rigoroso e diferenciado em cada caso, já que há sintomas que são comuns a as duas síndromes. No estado social actual, é provável que a maioria dos casos se enquadre mais na síndrome de Instabilidade Psicomotorado que na de Perturbação da Hiperactividade. E o quadro de instabilidade psicomotora (quer se refira a instabilidades adquiridas ou a instabilidade constitucional) remete sobretudo para causas relacionadas com o meio, nomeadamente relacionados com a família e/ou a escola e com transtornos emocionais, expressos também de forma psicomotora, mas que nada têm a ver com esse psicofármaco, embora todos saibamos que, devido ao stress social e profissional, as famílias andam com os nervos à flor da pele e querem resolver logo os problemas do comportamento dos filhos (hoje, exige-se tudo… já) e querem logo um medicamento que dê efeitos imediatos, sem se procurarem caminhos alternativos ou complementares.

3. É sempre um risco pretender que o diagnóstico de PHDA (perturbação hiperactiva e défice de atenção) seja centrado apenas na criança, desligando-a do contexto da relação com os Pais e a Escola, pois torna-a num objecto passivo de diagnósticoe deixa de ser considerada um sujeitocom autonomia psicológica para interagir e ter um papel activo na construção subjectiva da sua personalidade e capacidade de adaptação. Pais e Escola não podem ficar à margem do processo de avaliação e do processo terapêutico consequente, porque a criança vive dinamicamente em relação com essas duas instâncias e delas depende. Para além do mais, todos os comportamentos se reportam ao seu contexto, embora possam não depender exclusivamente dele. E mesmo que se trate objectivamente de uma situação de PHDA, não se pode esperar que a cura aconteça automaticamente apenas como reacção química ao medicamento comoinstrumento de redução quantitativa de um comportamento. Há o risco de, quando se fala em transtornode comportamento, se estar a admitir que esta patologia se reporta a um estado desordenado em que a criança deixa de estar em ordem e que essa falta de ordem reside no próprio paciente…tendo, por isso, que ser medicado para repor a normalidade do seu funcionamento cerebral. Com o risco de se pretender psiquiatrizartodos os comportamentos menos adaptados…

(O autor não escreve de acordo com o actual Acordo Ortográfico)


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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26 maio 2019