Perante a fortíssima e incessante enxurrada de notícias de todo o género, que submerge o cidadão num caos informativo, compete ao jornalismo oferecer uma ajuda, fazendo uma escolha do que importa partilhar, atestada a respectiva veracidade, e estabelecendo uma hierarquia do que é útil ser sabido. Quer a selecção, quer a hierarquização são elucidativas quanto à concepção que prevalece sobre o que se julga ser – e frequentemente é – o interesse colectivo preponderante.
Quem assistisse, por exemplo, ao Jornal da Noite da SIC na quarta-feira perceberia que, com uma rapidíssima excepção, apenas o futebol existe. Durante quase uma hora e meia, o tempo de duração do jornal televisivo, foram emitidas seis notícias. Na única não futebolística foram gastos quatro minutos.
O que mais interessa aos portugueses são as aventuras de Bruno de Carvalho. Ao assunto, esmiuçado com a ajuda de um convidado no estúdio, dedicou o Jornal da Noite os doze minutos iniciais. O segundo conteúdo mais relevante foi o afastamento do seleccionador da equipa espanhola no mundial de futebol. As minudências relativas à questão justificaram a presença em estúdio de mais um convidado. Com a história, temperada com algumas especulações sobre o jogo entre Portugal e Espanha, foram gastos quinze minutos.
Após mais de uma dezena de minutos publicitários, o Jornal da Noite despachou em quatro minutos o caso da recusa italiana em receber o Aquarius, o barco com 629 migrantes a bordo.
O noticiário televisivo regressou à normalidade futebolística com uma reportagem sobre Éder, o jogador que tornou Portugal campeão europeu. Para recordar o feito, a SIC disponibilizou trinta e sete minutos. Uma historinha de uma viagem de bicicleta de dois portugueses que, por amor à bola, foram do Reino Unido até à Rússia, “para mostrar que tudo é possível”, usufruiu de quatro minutos. Tantos quantos os dedicados à viagem dos migrantes oriundos de África e da Ásia.
Antes do minuto final para a meteorologia, o Jornal da Noite exibiu uma peça dialogada sobre gastronomia russa, que mereceu um título que seria insólito se não fosse apenas tolo: “Ronaldo no país dos sovietes”. É que nem Ronaldo, nem sovietes. Talvez tenham ficado em “banho-de-Maria”, para citar o termo antes usado por um jornalista da SIC.
Outros temas poderiam ter justificado que se lhes prestasse atenção. Um, por exemplo, diz respeito ao modo como os mais novos devem usar os smartphones e os tablets. O diário Corriere della Sera noticiou, também na quarta-feira, que os pediatras italianos estão a pedir aos pais que não coloquem os ecrãs à vista de crianças com menos de dois anos. As orientações da Sociedade Italiana de Pediatria sobre o uso de smartphones e tablets estabelecem ainda que as crianças com idades entre os três e os cinco anos apenas os devem poder usar até uma hora por dia e, entre os cinco e os oito anos, até duas horas.
O jornal considera que é demasiado tarde para fazer algo com sucesso junto dos adolescentes, mas que, em relação às crianças, ainda há tempo para intervir. A Sociedade Italiana de Pediatria, garantindo ter analisado a literatura científica internacional sobre o problema, vai insistir na conveniência de se adoptar um conjunto de regras, merecedoras do consenso dos pediatras. Havia directrizes em outros países, mas faltavam em Itália, diz o Corriere della Sera, lembrando que, em França, o governo de Emmanuel Macron proibiu recentemente o uso de telemóveis nas salas de aulas, uma iniciativa que sinaliza o estado geral de alerta em relação a estas tecnologias, que os pediatras consideram que se podem apresentar como causadoras de perturbações na aprendizagem e de dependência. A Sociedade Italiana de Pediatria acrescenta que o uso precoce ou exagerado de smartphones e tablets é susceptível de provocar alterações do sono, problemas de visão, de postura, dores de cabeça e, em casos extremos, distúrbios comportamentais. Olhar para os ecrãs é, além disso, tempo subtraído ao movimento e a um estilo de vida saudável. A tomada de posição não pretende ser uma condenação total destes dispositivos, considerados como ferramentas eficazes, quando usados com moderação e inteligência e compartilhados com os pais.
Resta saber se os pais aceitam as regras. No caso português, isso implicaria que largassem, eles próprios, um pouco, os ecrãs para olhar para os filhos. O Diário de Notícias de sexta-feira revelava uma observação de profissionais de saúde infantil: “Há pais que não conseguem parar de utilizar os dispositivos electrónicos nem quando vão às consultas com os filhos”.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Pais e filhos perante os ecrãs
DM
17 junho 2018