A encerrar o mês de maio, apresentamos os rostos bíblicos de Maria, começando pelo evangelho de Lucas, por ser ele quem mais e melhor nos fala do assunto. A mesma temática em João e nos Atos dos Apóstolos será o tema do próximo texto.
No relato da anunciação (Lc 1, 26-38), Maria assume um rosto surpreendido e perturbado (v. 29), por causa do modo (v. 28: “Salve, cheia de graça”) e do conteúdo (v. 31: “conceberás [...] e darás à luz um filho”) da comunicação do anjo. Percebe-se por que motivo Maria “pensava que espécie de saudação seria esta” (v. 29) e o anjo a convidou a não temer (v. 30). Na Escritura, o temor não é medo, mas respeito e reverência. É a reação de quem se sente na presença de Deus.
Depois do esclarecimento do anjo (vv. 34-37), o rosto de Maria torna-se tranquilo e acolhedor. A relação de amor que se estabelece entre ela e Deus desabrocha em disponibilidade: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (v. 38).
As invocações marianas Cheia de graça, Senhora da Anunciação e Senhora do Sim encontram neste texto o seu suporte bíblico.
O evangelho de Lucas passa, então, para o episódio da visitação (Lc 1, 39-45). A informação do anjo acerca da gravidez de Isabel (1, 36) provoca em Maria novos sentimentos: surpresa e inquietude. Põe-se a caminho e dirige-se para a montanha (v. 39), uma atitude que decorre da aceitação dos planos de Deus. O menino salta de alegria no seio de Isabel que proclama Maria bendita entre as mulheres (v. 42) e a reconhece como mãe do seu Senhor (v. 43).
Estavam reunidas as condições para que os lábios de Maria se abrissem para um cântico de louvor e gratidão: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exultou em Deus, meu Salvador” (vv. 46-47). O rosto de Maria torna-se festivo e agradecido a Deus que, por ela, desceu à história humana para a transformar.
As invocações marianas Senhora da Visitação e Senhora do Magnificat encontram aqui os seus fundamentos bíblicos.
Entre a visitação e o nascimento de Jesus, Maria aparece-nos em expectativa, como acontece com qualquer mãe que aguarda o nascimento do filho. Aí se alicerçam as invocações Senhora da Expectação e Senhora do Ó (Oh), de tradição bracarense.
Depois disto, o texto leva-nos ao encontro de um rosto materno e meditativo (Lc 2, 1-20). Grávida, foi com cuidados que Maria fez a viagem para Belém, onde “deu à luz o seu filho primogénito” (v. 7). O seu rosto volta-se para o filho recém-nascido, “envolveu-o em panos e reclinou-o numa manjedoura” (vv. 7.12). Os adjetivos “primogénito” e “recém-nascido” sugerem o desvelo e o encanto de Maria: a fragilidade da criança requer cuidados e suscita encanto; o facto de ser “primogénito” torna a experiência ainda mais intensa.
Do rosto materno de Maria, o texto transporta-nos para um rosto meditativo. Os pastores falaram do que lhes tinham dito acerca do Menino e “Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” (v. 19).
Não será difícil concluir que se apoiam neste texto as invocações marianas Mãe de Jesus (Mãe de Deus) e Senhora da Natividade.
Quarenta dias depois, Maria vai ao Templo para cumprir os rituais da purificação prescritos pela Lei de Moisés e oferecer o filho a Deus (Lc 2, 22-40). Nas entrelinhas do texto, descobrimos nela um rosto agradecido (a apresentação no Templo é sinal de gratidão) e admirado com o que se dizia acerca do Menino (v. 33). O prenúncio de Simeão (v. 35: “uma espada trespassará a tua própria alma”) aponta para o rosto sofrido de Maria. Começa a desenhar-se a invocação de Senhora das Dores.
Por último, Lucas apresenta Maria com um rosto aflito (Lc 2, 41-52). Não é difícil imaginar a aflição da mãe à procura do filho e, por isso, compreendemos bem a pergunta e a observação: “Filho, por que nos fizeste isto? Eis que teu pai e eu estávamos aflitos à tua procura!” (v. 48).
Encontrado o filho, o rosto aflito dá lugar a um rosto pensativo e contemplativo. Pensativo, porque a resposta de Jesus (v. 49: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que é necessário que Eu esteja na casa de meu Pai?”) soa a enigma e faz pensar (v. 50); contemplativo, pois “sua mãe conservava todas estas palavras no seu coração” (v. 51).
Os muitos rostos e invocações de Maria trazem à evidência a grandeza e a riqueza desta personagem única e singular, nos evangelhos e na tradição da Igreja, e tal ajuda a entender a intensa veneração que o povo de Deus lhe dispensa.
Autor: P. João Alberto Correia