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Os que morreram em 2016

O mesmo Soares que, ajudado por Cunhal (e por tantos portugueses imbuídos dum idealismo infantil e utópico) destruiu o precioso Império colonial português na África. O mesmo Soares em quem eu votei uma única vez (contra Cavaco e Alegre) nas presidenciais de 2006; apenas pela sua postura pessoal, cívica, aberta e democrática, contrastando com os seus 2 adversários.

Eu próprio também podia ter passado para o lado de lá, quando no fim da manhã de 3-1-2016, escapei ileso de um acidente de automóvel, ao que parece por rebentamento de um pneu dianteiro. Foi na auto-estrada, quase no mesmo local onde há muitos anos (mas na faixa oposta) morreu o guarda-redes portista Zé Beto. E não longe da estrada onde também morreu o glorioso médio portista, Rui Filipe, nascido em V. de Cambra. Ao fim de mais de 1 milhão e 800 mil kms ao volante, lá me aconteceu algo de sério. Mas Deus pôs a mão por baixo. E tudo o que vem a seguir é um presente...

2 – Quem diria que seria em 2016 que...). Que haveriam de morrer Nicolau Breyner (75 anos), Francisco Nicholson (80) e Camilo de Oliveira (91)? Três expoentes do humor português. Nicholson, com sangue inglês e que tantos anos fez parelha com o falecido Armando Cortês, esteve ligado à revista, ao teatro, às letras de canções; salvo erro, foi o produtor da 1.ª telenovela portuguesa, parte da qual foi filmada em S. João da Madeira, no palacete dum parente meu, já falecido.

Nela brilhou o grande alentejano (de Serpa) Nicolau Breyner, cujo germânico apelido provém dum militar seu antepassado, austríaco, cá chegado durante as guerras da Restauração (séc. XVII). Actor, humorista, cantor de ópera, realizador, político conservador (de 2.ª linha, mas...), Breyner tinha aquela distinção pessoal, carisma e afável presença que, felizmente, continua a ser apanágio de não poucos naturais do sul de Portugal (e de Espanha).

Foi ele quem lançou o inspirado mas tão controverso Herman José (Kripahl), outro hispano-germano de talento. Português bem típico foi, contudo, o notável Camilo de Oliveira, nascido na Figueira da Foz. Homem do humor, do teatro, da revista, da TV, amigo de muitas mulheres, às vezes bem mais novas. A subtileza dos seus retratos psicológicos era às vezes, tocante. Valia muito mais do que a sua imagem, modesta, projectava.

3 – De Fidel Castro a Almeida Santos). A minha bisavó de Oliv. de Azeméis, pessoa com muitas terras mas que também tinha Castro no nome, falava com algum fascínio e estranha expectativa (por 1970) acerca de Fidel. É certo que ele fez coisas boas em Cuba (escolaridade, desporto, amizade racial, dignidade, moral, sistema de saúde). Porém, a sua ditadura foi instaurada com centenas de fuzilamentos de inocentes. E o que o exército cubano fez, na guerra de Angola, foi prejudicial a Portugal, à África do Sul e à Unita do grande Savimbi.

Já o ilustre democrata e causídico (e menos ilustre descolonizador...) dr. Almeida Santos, foi advogado da minha família materna na antiga Lourenço Marques. E amigo do meu tio-avó Elísio Coelho, falecido com 102 anos. Almeida Santos era de Seia e da algo caldaica Lagoaça (F. E. Cinta); e foi dos maiores argumentadores que conheci.

Em Portugal também faleceram o jurista e parlamentar penafidelense do PSD, Barbosa de Melo. O sempre polémico socialista, José Lelo. O velho advogado portuense Miguel Veiga (PSD). O famoso médico lisboeta João Lobo Antunes. E o escultor José Rodrigues.

4– Do velho rei da Tailândia ao embaixador Karlov). Faleceu o pacífico rei Bumibol, da civilizada Tailândia. Um dos reinados mais longos. Grave foi o assassinato de Karlov, nada menos que o representante da Rússia na Turquia (e Putin dá outra lição de paciência, nada respondendo). E dias depois, "cai" em Baku o avião com o coro do Exército Vermelho... Meses antes, morrera o min. Shimon Peres, um sefardita que apesar de bem belicoso na velhice, foi prémio Nobel da Paz.

5 – Cohen morre, Dylan é Nobel da... Literatura!). O grande compositor Leonard Cohen (C. quer dizer "rabino", em hebraico) faleceu, com 80 anos. Foi autor de "Suzanne", "So long, Marianne", etc., etc.. E o seu afim R. A. Zimmerman aceitou, mas não foi receber o descabido galardão.

6 – José Pracana vale mais que os outros). A morte do grande guitarrista e fadista açoriano J. Pracana passou quase despercebida, apagada pela do sobrevalorizado anglo-grego G. Michael. O qual, para mim, é tão pouco apelativo quantos os também falecidos Bowie e Prince. Do notável Moniz Pereira já ninguém fala. Porém, penso que ele morreu ainda em 2015.

(Artigo escrito a 4 de janeiro de 2017)


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

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10 janeiro 2017