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Os poetas desconhecidos

Raríssimos serão, com certeza, os que presentemente terão em alguma ocasião ouvido falar do general Fernandes Costa; da professora Angelina Vidal; de Narciso de Lacerda, funcionário público; de Paulino de Oliveira, cônsul em São Paulo, casado com Ana de Castro Osório, grande amiga de Camilo Pessanha e editora de Clepsidra; de Maria O’Neill, adepta do espiritismo; de Rodrigo Solano, professor do liceu e, a seguir, jornalista; ou de Duarte de Viveiros, formado em Direito. E também nenhum motivo excepcional justificaria que a memória colectiva retivesse estes nomes, que partilham a circunstância de terem sido autores de livros de poesia editados no início do século XX. A intensa luz de Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e José de Almada Negreiros, todavia, secundarizou-os. Ficaram À sombra de Orfeu, para usar o título de uma obra da crítica literária Maria Estela Guedes, que os antologiou num volume da Colecção Textos Esquecidos (Lisboa: Guimarães Editores, 1990). O livro começa, aliás, com sonetos do bracarense João Penha. Os poetas forasteiros e o nosso conterrâneo foram lembrados em Braga pelo Sindicato de Poesia na passada quinta-feira, no Dia Mundial da Poesia, tendo a evocação de João Penha ocorrido no âmbito das comemorações do centenário da sua morte, que a Biblioteca Pública tem promovido. Se os principais poetas da revista Orpheu obscureceram os seus contemporâneos, a penumbra tocou mais a uns mais do que a outros. Gomes Leal e Ângelo de Lima, por exemplo, já não se encontrariam propriamente À sombra de Orfeu, pelo menos desde que Herberto Helder contribuiu para lhes restituir luminosidade, ao incluí-los em Edoi lelia doura. Antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa (Lisboa: Assírio & Alvim, 1985). Ângelo de Lima já tinha sido, de resto, muito bem tratado por Fernando Guimarães, que, na década anterior, lhe organizara, prefaciara e anotara as Poesias completas (Porto: Editorial Inova, 1971). É o tempo que se encarrega de tornar obsoletas determinadas obras (que, podem, em alguns casos, por ocasião de alguma efeméride, por exemplo, suscitar, merecida ou imerecidamente, um interesse renovado). Essa obsolescência não é, amiúde, prejudicial. Muitos poetas não conseguiram que um verso os recomendasse à posteridade. Em Cancioneiro alegre (Mem Martins: Publicações Europa-América, s/d. 2 vol.), uma obra considerada como uma espécie de manual para uma cadeira de “Poesia patusca” que pudesse ser criada em algum Curso Superior de Letras, Camilo Castelo Branco coligiu poemas de cerca de seis dezenas de escritores portugueses e brasileiros de épocas diversas. O número de nomes que serão, de algum modo, conhecidos por gente com alguma instrução literária não chegará a uma dezena; um deles é João Penha. A ignorância não recai apenas sobre os poetas do passado. Muitos dos grandes poetas do presente são também assaz desconhecidos. Jorge Luis Borges disse que há muita gente que não gosta de poesia e que a maior parte se dedica a ensiná-la. É verdade. Ignorando que “a poesia é uma queda na linguagem de certas formas emocionais de sabedoria”, como escreveu Joaquim Manuel Magalhães, ou que “a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética”, como pretendia Sophia de Mello Breyner Andresen, e julgando que, em vez disso, os poemas são cadáveres para dissecação na sala de aulas de literatura portuguesa, apresentam-se abundantes aqueles que para os ensinar se encarregam de, primeiro, os anestesiar e, a seguir, matar para os poderem, por fim, examinar. Este procedimento torna-se imprestável para lograr distinguir um poema de um conjunto de banalidades debitadas em verso, de umas trivialidades dispostas de forma rimada. E se para alguma coisa servisse, seria apenas para produzir, hoje, poetas de ontem.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
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24 março 2019