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Esta devia ser uma época de encantos perante o Deus que Se fez Menino e da consequente «conflagração» da bondade e da solidariedade universal.
Mas corremos o risco de a transformar num tempo de egoísmos intermináveis. Terá sentido celebrar o Natal unicamente para nós e com os nossos?
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Não há Natal quando nos comportamos como se houvesse apenas a nossa família no mundo. Tanto mais que Jesus nasceu para fazer do mundo uma única família.
Até a simbólica do Natal – com algumas excepções – parece estreitar-se.
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Sophia de Mello Breyner já notara que «os pobres não têm presentes». Aliás, a mesma autora, quando ficciona a viagem dos Magos ao encontro de Jesus, apresenta Baltasar a perguntar pelo «Deus dos humilhados e dos oprimidos».
Resposta dos sacerdotes: «Desse Deus nada sabemos». Então Baltasar subiu ao terraço e «viu a carne do sofrimento, o rosto da humilhação».
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E Deus estava ali, o Deus que os sacerdotes desconheciam. Deus está presente sobretudo naqueles que não têm presentes. E que, pelos vistos, nem sequer têm presente.
Com efeito, que presente pode haver para quem não tem meios para subsistir?
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Se a conjuntura já era aflitiva antes da pandemia, tornou-se insustentável com a eclosão da pandemia.
O nosso país, em 2020 – o primeiro ano do sufoco pandémico –, atirou para a pobreza mais 230 mil pessoas em relação ao ano anterior.
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Foi o maior aumento desde 2003, elevando para quase dois milhões o número de portugueses que (sobre)vivem abaixo da chamada «linha de pobreza».
Como há-de ter presente quem não consegue comprar roupa ou dispor de calçado adequado?; quem não tem condições para aquecer a casa, pagar as contas ou adquirir um carro?
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Há irmãos nossos que só comem uma refeição – de carne ou peixe – de dois em dois dias! Acresce que encontramos crianças e idosos nesta (penosa) situação!
Como é penoso ver crianças desnutridas e idosos famintos! Mas quem defende os mais indefesos?
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É preciso notar que, estando o limiar da pobreza fixado num rendimento de 554 euros mensais, há quem só disponha de 200 euros por mês.
Como enfrentar, com quantias tão baixas, despesas cada vez mais altas?
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Dois mil anos depois, ainda não percebemos que não foi para isto que o Messias veio.
Ele tornou bem claro que o amor ao próximo faz parte do amor a Deus (cf. Mc 12, 30-31).
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Não se pode amar a Deus sem amar o próximo, sobretudo o próximo mais pobre (cf. 1Jo 4, 20-21).
Só quando os pobres também tiverem presente(s), haverá Natal. E não somente no dia de Natal!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira