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«Os pobres não têm presentes». Será que têm presente?

  1. Esta devia ser uma época de encantos perante o Deus que Se fez Menino e da consequente «conflagração» da bondade e da solidariedade universal.

Mas corremos o risco de a transformar num tempo de egoísmos intermináveis. Terá sentido celebrar o Natal unicamente para nós e com os nossos?

  1. Não há Natal quando nos comportamos como se houvesse apenas a nossa família no mundo. Tanto mais que Jesus nasceu para fazer do mundo uma única família.

Até a simbólica do Natal – com algumas excepções – parece estreitar-se.

  1. Sophia de Mello Breyner já notara que «os pobres não têm presentes». Aliás, a mesma autora, quando ficciona a viagem dos Magos ao encontro de Jesus, apresenta Baltasar a perguntar pelo «Deus dos humilhados e dos oprimidos».

Resposta dos sacerdotes: «Desse Deus nada sabemos». Então Baltasar subiu ao terraço e «viu a carne do sofrimento, o rosto da humilhação».

  1. E Deus estava ali, o Deus que os sacerdotes desconheciam. Deus está presente sobretudo naqueles que não têm presentes. E que, pelos vistos, nem sequer têm presente.

Com efeito, que presente pode haver para quem não tem meios para subsistir?

  1. Se a conjuntura já era aflitiva antes da pandemia, tornou-se insustentável com a eclosão da pandemia.

O nosso país, em 2020 – o primeiro ano do sufoco pandémico –, atirou para a pobreza mais 230 mil pessoas em relação ao ano anterior.

  1. Foi o maior aumento desde 2003, elevando para quase dois milhões o número de portugueses que (sobre)vivem abaixo da chamada «linha de pobreza».

Como há-de ter presente quem não consegue comprar roupa ou dispor de calçado adequado?; quem não tem condições para aquecer a casa, pagar as contas ou adquirir um carro?

  1. Há irmãos nossos que só comem uma refeição – de carne ou peixe – de dois em dois dias! Acresce que encontramos crianças e idosos nesta (penosa) situação!

Como é penoso ver crianças desnutridas e idosos famintos! Mas quem defende os mais indefesos?

  1. É preciso notar que, estando o limiar da pobreza fixado num rendimento de 554 euros mensais, há quem só disponha de 200 euros por mês.

Como enfrentar, com quantias tão baixas, despesas cada vez mais altas?

  1. Dois mil anos depois, ainda não percebemos que não foi para isto que o Messias veio.

Ele tornou bem claro que o amor ao próximo faz parte do amor a Deus (cf. Mc 12, 30-31).

  1. Não se pode amar a Deus sem amar o próximo, sobretudo o próximo mais pobre (cf. 1Jo 4, 20-21).

Só quando os pobres também tiverem presente(s), haverá Natal. E não somente no dia de Natal!


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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4 janeiro 2022