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Os perigosos caminhos da eutanásia

Na minha crónica da semana passada, defendi a necessidade premente de discutirmos a forma mais rápida e eficiente de garantir aos cidadãos portugueses uma Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP) de qualidade, antes de se debater a questão da legalização da eutanásia. E salientei o enorme atraso de Portugal em matéria de cuidados paliativos.

Hoje, mantendo embora a mesma linha de pensamento, pretendo alertar os meus estimados leitores para dois perigos reais e inaceitáveis que a sociedade portuguesa poderá vir a enfrentar a breve trecho se, como tudo indica, vierem a ser aprovados no próximo dia 28 do corrente, no plenário da Assembleia da República, os projectos de lei do PAN, BE, PS e PV, sobre a legalização da eutanásia.

O primeiro e mais iminente tem a ver com a degradação do SNS e traduz-se no seguinte: através do uso e abuso das cativações orçamentais e do não investimento na área da saúde, o Governo vem praticando uma política de austeridade encapotada que tem provocado uma deterioração generalizada deste serviço público.

Ora, se isto é por si só preocupante por mexer com um direito fundamental das pessoas – o direito à saúde –, pior será, evidentemente, se, no âmbito do SNS, se vier a inscrever uma nova e sinistra prestação: a da morte medicamente assistida.

Na verdade, se ao Estado vier a ser imputado um novo custo de fornecer serviços para tirar a vida às pessoas em vez de lhes tratar da dor, é certo e sabido que cada vez menos haverá meios para melhorar e completar a RNCP e que tal carência irá pressionar, de forma inadmissível, os doentes mais vulneráveis à escolha da morte, como se esta fosse a única resposta para o sofrimento considerado intolerável ou como se a mesma pudesse colocar-se no mesmo plano das situações de respeito pelas decisões de recusa de tratamentos e de abstenção ou suspensão de terapêuticas.

E como executar um pedido de morte é muitíssimo mais rápido e barato do que tratar a dor das pessoas e suavizar-lhes as angústias e os medos mais insuportáveis, as lacunas e as assimetrias no acesso aos cuidados paliativos tenderão a agravar-se.

Aliás, alguns dos defensores mais acérrimos da eutanásia têm recomendado, com a maior frieza e despudor, o seu uso como forma de diminuir os custos dos cuidados paliativos!...

Por isso, a confirmar-se a aprovação do diploma legislativo em causa, a dignidade das pessoas estará cada vez mais em causa, pois mesmo com a perda da autonomia, qualquer que seja a causa, os humanos não perdem aquilo com que o Criador os distinguiu – a dignidade do seu ser.

E é justamente esta dignidade que reivindica para o sofrimento em fim de vida “uma intervenção técnica e humanizada”, como alguém já definiu os cuidados paliativos. Eliminar pessoas em vez de lhes tratar o sofrimento é enveredar por um caminho extremamente perigoso cujo fim ninguém conhece.

E não há melhor exemplo dessa perigosidade do que aquilo que se vem passando na Holanda, país onde, no ano passado, foram eutanasiadas mais de 6.500 pessoas, incluindo cidadãos com demências ou doenças do foro mental, em muitos casos a pedido da família, sem aprovação do paciente.

Esta situação tem gerado uma enorme intranquilidade em muitos idosos que fogem da Holanda com receio de serem vítimas de pedidos de eutanásia por parte da sua própria família. E tem sido a vizinha Alemanha o país preferido para asilo destes novos emigrantes forçados, que aí se sentem mais seguros por o Estado germânico não permitir a eutanásia e o tema lá continuar a ser tabu, na sequência das mais desprezíveis e abomináveis práticas eugenistas, perpretadas contra doentes físicos e mentais pelo regime nazi, durante a II Guerra Mundial.

E o problema torna-se ainda mais preocupante quando há um estudo relativamente recente, feito pela Universidade de Gottingen, com base na análise de 7.000 eutanásias praticadas na Holanda (em 41% dos casos a morte dos pacientes foi a pedido da família), que justifica os temores de muitos holandeses de verem a sua vida abreviada a rogo das famílias.

Mas as conclusões desse estudo revelam ainda outros dados muito significativos: em 60% dos casos, os médicos deram como justificação “a falta de perspectiva de melhora dos pacientes” e apontaram, em segundo lugar (32%), a “incapacidade dos familiares de lidar com a situação”.

Perante estas circunstâncias, poder-se-ia pensar que a lei holandesa é demasiado liberal e que, por isso, não deveria servir de modelo para outros países. Todavia, o que a realidade demonstra é que não é a legislação que peca pela falta de clareza, mas sim a sua interpretação e aplicação prática por juristas e profissionais de saúde que, jogando com a subjectividade de noções como a de “sofrimento insuportável”, passaram a admitir a eutanásia de recém-nascidos, crianças e dementes, ou seja, de pessoas que não podem por si próprias formular um pedido de tão radical medida. E o mesmo vem acontecendo, ainda que em grau menor, noutros países que já legalizaram a eutanásia.

E aqui reside, como certamente já deu para perceber, o segundo perigo da legalização da medida em causa: o da sua trivialização e generalização abusivas, com base numa questionável e espúria interpretação jurídica, com gravíssimas consequências éticas e sociais que, em última análise, são susceptíveis de levar à legalização, em quaisquer circunstâncias, do homicídio a pedido e do auxílio ao suicídio.

Que Deus nos livre destes perigosos e sinistros caminhos.


Autor: António Brochado Pedras
DM

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25 maio 2018