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Os padres têm todos a mesma escola

Não há muito tempo, alguém de certo modo angustiado, aproximou-se dum sacerdote. Mostrava no seu rosto alguma inquietação, acompanhada por um desejo de ouvir uma resposta cabal e esmiuçada sobre um tema que, além de o inquietar, lhe produzia uma profunda curiosidade. O sacerdote, pessoa calma e serena, pediu-lhe que esperasse um momento, porque estava a receber um casal de noivos, que lhe acabava de pedir que os preparasse pessoalmente para a recepção do sacramento do matrimónio, em virtude da data deste evento tão importante nas suas vidas, ocorrer numa altura em que todos os CPM – Curso de Preparação para o Matrimónio –, ou já tinham terminado, ou estavam planeados para um momento posterior ao seu casamento. Lá esperou, com uma certa impaciência. E quando viu o casal sair, satisfeito e a cochichar entre si sobre a forma aprazível como tinha sido atendido, entrou pela sala onde estava o sacerdote, que arrumava uns papéis numa gaveta da sua secretária, certamente relacionados com a entrevista referida que acabara há momentos. Sem pedir desculpa pela intromissão, estendeu a mão bruscamente e perguntou: “Como tem passado?” Era tal a efusão e a vivacidade do visitante que o seu interlocutor lhe pediu para se sentar. E com a mesma paz com que tinha despedido os noivos, indicou-lhe delicadamente um sofá que havia, em frente de outro, naquela dependência. Depois, fechou à chave uma gaveta da sua secretária, deslocou-se até ao segundo sofá e nele se acomodou. O visitante seguia-o com certa estranheza. Dir-se-ia que o comportamento do sacerdote o bloqueava ou, pelo menos, que abrandara o seu estado psicológico, até há pouco pleno de emotividade, e, sobretudo, de nervosismo e curiosidade. Perguntou-lhe o prior: “É meu paroquiano?” Não entendeu a pergunta. Ficou como que atónito e sem saber o que dizer. Insistiu o padre: “Vive nesta paróquia?” O homem, dando por entendido o que não percebia, respondeu: “A minha morada é...” E atirou como o nome duma rua, decerto uma entre as muitas mais ou menos desconhecidas daquela cidade. Realizando um certo esforço para se fazer compreender, o sacerdote, que se deu conta de que o conceito de paróquia ou de paroquiano eram linguagem imperceptível para com quem dialogava, explicou: “O que eu queria saber era se o meu amigo tem alguma relação com esta igreja, se costuma frequentá-la...”. “Não, não... Eu sou católico, embora muito raramente entre numa igreja. Praticamente só nos funerais, ou nos casamentos... Não tenho tempo. A minha vida é muito cheia e não dá para tudo...” “Mas então, por favor, diga o que pretende de mim...” Não foi preciso mais nenhum acrescento. O homem encheu-se de brio e perguntou, com certa solenidade: “O que se passa?” Surpreendido, inquiriu: “O que se passa? O que se passa, onde?” De forma imediata, como que explodiu: “ Ó Padre, na Igreja...!” “Na Igreja? Onde quer chegar...?” “Então não ouvi eu, num programa da televisão, que o Papa mandou rezar umas orações especiais pela crise da igreja, porque havia muitos problemas com os padres e com pessoas mais importantes, uns certos maiorais, que escreveram ao Papa a contestá-lo. Uma das orações era em honra de um anjo ou um ser assim parecido e outra não sei se falava de Nossa Senhora de Fátima... “ “Já entendi o que o preocupa”, disse-lhe... “Vamos a ver. O Papa Francisco, realmente, pediu a todos os fiéis que, no final do Terço – oração muito própria deste mês de Outubro, conhecido como “Mês do Rosário” –, acrescentassem uma oração dedicada ao arcanjo S. Miguel (“S. Miguel Arcanjo, defendei-nos neste combate...”) e outra a Nossa Senhora (“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus...”), onde intercedêssemos pela Igreja. Devo dizer-lhe que estas orações são muito tradicionais entre os católicos... Não as conhece? Se quiser dou-lhe umas pequenas pagelas, onde as pode encontrar...” “Não, explodiu, não quero nada disso... O que eu quero é saber que sarilhos estão por trás dessas rezas...” “Meu caro amigo”, observou o sacerdote. “Esses ‘sarilhos’, como disse, não me interessa andar a espiolhá-los. Apenas pretendo ser fiel ao que o Papa me pede. Por isso, tenho rezado essas orações e assim o recomendo a todos os fiéis. Quanto ao resto, francamente, a minha vida, tal como a sua, é muito cheia. Não tenho tempo.” O homem saiu a resmungar por dentro, mas de forma a fazer-se ouvir: “Os padres têm todos a mesma escola...”
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
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21 outubro 2018