1. A certos «democratas» de hoje é imperioso lembrar que os outros também existem. Também são seres humanos e cidadãos de corpo inteiro. Não mais, mas também não menos.
Também têm dignidade e direitos que lhes devem ser respeitados. Também têm direito a fazer ouvir a sua voz, a manifestar-se ordeiramente, a alertar para os males de que são vítimas, a clamar sempre que se sentem humilhados e ofendidos, a exigir que se lhes faça justiça. Têm direito a dar a conhecer os valores que defendem e os princípios por que se orientam.
2. Bem diferente de pôr-se o rótulo de democrata é viver democraticamente.
Defensores de uma democracia à sua maneira, há indivíduos que apelam constantemente para a Constituição da República Portuguesa. Esquecem, porém, o artigo 13.º, onde se lê:
«1.Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».
É inconstitucional dividir os cidadãos em dois grupos: o dos que se considera serem de esquerda e o dos outros. É inconstitucional julgar que só os considerados de esquerda são dignos de dirigir o país e só esses fazem coisa de jeito.
3. Impressiona-me verificar a forma como em alguns setores vêm sendo tratadas personalidades como Aníbal Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho. Julgo ser da mais elementar justiça reconhecer o que fizeram pelo país. O primeiro, como primeiro-ministro e depois, como presidente da República; o segundo, como chefe do Governo.
Reconhecer o trabalho que fizeram e o circunstancialismo em que exerceram funções é uma das exigências da verdade histórica.
Lembra-se ter Passos Coelho tomado medidas impopulares mas ignoram-se as causas que as motivaram. Não se fala na situação de pré-bancarrota a que teve de fazer frente.
Nas eleições que se seguiram ao terminar o mandato, em 2015, a lista por si liderada foi a vencedora, com 36,86% dos votos, o que não deixa de ser significativo.
Diogo Freitas do Amaral é justamente considerado um dos pais da nossa democracia. O voto de pesar pelo seu falecimento, aprovado em 02 de outubro, não recolheu a unanimidade dos votos na Assembleia da República. O bom senso prevaleceu e o homem que na defesa da democracia viveu o cerco do Palácio de Cristal em 25/26 de janeiro de 1975 teve um funeral digno do relevante serviço prestado ao país.
4. Os senhores que se consideram de esquerda deverão reconhecer não serem os únicos seres pensantes do país nem terem o monopólio da competência. Fora do elenco de militantes dos partidos por que agitam bandeiras há gente muito honesta, muito competente, muito capaz. Se quiserem ser justos deverão reconhecer o valor dos outros corrigindo o defeito de olhar só para um lado.
É legítimo esperar maior isenção de certa Comunicação Social e de certos comentadores para que não sejam considerados caixas de ressonância do fanatismo de certa esquerda.
5. Se queremos viver numa democracia a sério precisamos de andar cada vez mais atentos. De nos não deixar levar por historietas que nos querem impingir. Precisamos de nos esclarecer cada vez melhor.
Não prestar atenção às propostas de quem se não considera de esquerda é marginalizar, se não ignorar, uma parte considerável da comunidade portuguesa.
Quem assume o governo de um país deve saber governar para todos, não permitindo que a democracia se converta em ditadura da maioria ou até de minorias.
Estranha democracia, essa que não valoriza o trabalho dos que pensam de maneira diferente, impõe a ditadura do pensamento único e falseia a história!
Autor: Silva Araújo