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Os minhocas

Agora foi mais um presidente da câmara que perdeu o mandato. Certamente não foi por “por bom comportamento!”. Não foi por saúde ou questões relacionadas com “assuntos familiares”. Sabemos bem porque foi e não vale a pena puxar por razões. Se fosse apenas ele, era uma exceção e como tal não era dramático. Mas temos assistido a uma série de incriminados que nos assusta. Nem na rua podemos andar sossegados mas os grandes ladrões estão nos gabinetes. Mas há sempre quem diga que as detenções dos poderosos é sinal de que em Portugal a justiça funciona, que é igual para todos e que usa realmente os olhos vendados para não poder conhecer ninguém. Isto não é contentamento, é a confissão de que há decisores em Portugal que são pouco ou nada honrados. E se, na verdade, não precisamos de apertar os braços para que nos não roubem a carteira, a verdade é que devemos apertar a desconfiança nos bancos, nas câmaras, nos escritórios, nos dirigentes do futebol e em tantos outros em que, pela sua arte de bem saber esconder-se, ainda vivem ocultos. São aqueles que se escondem debaixo da pedra onde o raio de sol da verdade não penetra. Debaixo desta pedra feita de silêncios vários, longe de olhares de terceiros, ali mesmo, medram as minhocas. Não são todos os banqueiros ou todos os militares, mas bastava que fosse um destes para fazer desabar a nossa confiança. Já prendemos um ou outro, mas eles começam a ser tantos que se estão constituindo como regra; a exceção é ser-se honrado. Esta inversão de valores é o princípio de uma desagregação civilizacional. Estamos às portas da degradação do topo da pirâmide? Olhamos e perguntamos, onde estão aqueles que deram uns fios da sua barba como penhor dum cumprimento? A verdade, por mais que custe ouvir, é que estamos a chafurdar num lamaçal onde medram as minhocas da honra. Nem os militares escapam à tentação da corrupção!!!. Os militares constituem um dos pilares mais fortes da democracia e, pela sua importância, o mais pequeno dos desvios comportamentais como pessoas e militares, impõe-se-nos como uma enormidade. As denúncias, são assim tão necessárias como importantes. É serviço nacional denunciar, levantar as pedras onde se escondem as minhocas. Assistíamos, com muito interesse, aos programas de investigação jornalística de Sandra Felgueiras. Levantou muitas pedras donde saíram as minhocas que medravam. Resultado? Teve de se ir embora. Quem silencia a verdade, torna-se a pedra onde se escondem e medram as minhocas. Quem cala consente. Causa-me arrepios pensar que podemos voltar à censura. Mas ela, pelos vistos, existe em democracia! Existe de uma forma farisaica: não dar recursos financeiros ou jornalistas suficientes para que acabe o programa, é uma delas, não disponibilizar aos jornalistas documentos, é escamotear, escudarem-se com o resguardo sigiloso é desculpa, proibir a exibição total ou parcial da investigação, é censura. Há outro nome para isto? Trocaram o lápis azul da velha censura, pela falta de meios humanos e financeiros para a investigação, porque incomodava as minhocas. O homem não muda nada, o que o obriga a ser diferente é o regime em que vive. No entanto, e infelizmente, verifica-se que há cada vez mais pedras e cada vez mais minhocas.


Autor: Paulo Fafe
DM

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6 dezembro 2021