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Os jantares no panteão

1 - O anterior governo emitiu legislação no sentido de rentabilizar o património nacional. Com esse objectivo passou a ser possível arrendar, para determinados eventos,espaços definidos ou dependências de palácios, monumentos e edifícios nacionais. A intenção era clara: angariar fundos para a manutenção, conservação e restauro dos mesmos edifícios, já que o Ministério da tutela – o Ministério da Cultura – se debate cronicamente com falta de verbas para o bom desempenho da sua missão e obrigações, entre as quais avulta a preservação do património artístico nacional. É uma perspectiva de há muito e por muitos perfilhada (e que eu subscrevo por inteiro): a cultura não tem que ser, necessariamente, subsídiodependente, mas, pelo contrário, pode e deve promover, na medida do possível, o seu auto-financiamento. Por isso, além de clara, aquela intenção parece justa, inteligente e… rentável. 2 – Mas o mesmo diploma que autorizava o arrendamento, estabelecia regras. Não era uma autorização genérica e indiscriminada, mas sim uma autorização a conceder CASO A CASO, depois de apreciado o pedido pela Direcção Geral do Património Nacional, à qual se reservava o direito de, sem mais, recusar a autorização. Obviamente que, com estas reservas, se pretendia evitar a realização de eventos incompatíveis com a dignidade dos locais solicitados. 3 – Recentemente, realizou-se no Panteão Nacional, um grande jantar à luz das velas. O «sururu» que, muito bem, levantou tão insólito repasto, veio descobrir o que um misterioso mas conveniente manto de silêncio há muito encobria: já vários outros jantares festivos ali haviam decorrido. O gosto mórbido de jantar festivamente num cemitério e a falta de respeito por um lugar sagrado são tão evidentes e tão do domínio da patologia mental, que não vale a pena comentá-los aqui . Mas vale a pena comentar as reacções. 4 – Sem surpresa, a reacção geral foi de indignação.O Presidente da República sentiu-se chocado e achou indigno e impróprio. O Primeiro-Ministro achou indigno e impróprio e outros adjectivos mais e mais contundentes. E atribuiu as culpas ao governo anterior e ao seu diploma que permitia tais despautérios e que se propunha reformular rapidamente. Mas não referiu que, nos termos do mesmo diploma, o pedido de arrendamento havia sido feito à Direcção Geral do Património e que esta, depois de o apreciar, o havia deferido – provavelmente por entender um jantar de gala perfeitamente compatível com um Panteão. Como não referiu que aquela Direcção depende do Ministro da Cultura que, por sua vez, depende do Primeiro-Ministro. Isto é: não referiu que, em última análise a responsabilidade é sua ou, pelo menos, de serviços na sua dependência. É a esses serviços – e a mais ninguém – que a sua inflamada adjectivação deve ser dirigida. 5 – Como sempre, o governo não tem nada a ver com assuntos desagradáveis. A «culpa» é sempre de outrem (de preferência do antecessor) mas, da «água sacudida do capote» faz um «caso político» que distrai a atenção do que é estrutural, urgente, importante. Nota: por decisão do autor, este texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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26 novembro 2017