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Os Independentes na política local

O reforço do poder local é um desiderato da democracia. Nas últimas quatro décadas é clara a dimensão positiva do exercício autárquico, mas não podemos negligenciar os vícios corruptivos que se foram manifestando, decorrentes da longevidade com que alguns presidentes permaneceram no cargo, solucionado com a legislação que limitou os mandatos a três e a escolha dos candidatos apenas baseada na carreira partidária.

A disputa durante anos reduziu-se às forças partidárias, até que a partir de 2001 foi possível apresentar candidaturas independentes às autarquias. Mas a expressão do fenómeno tem sido reduzida ainda que crescente: se em 2001 foram eleitos apenas 2 presidentes, nas últimas eleições esse número subiu para 17, sendo paradigmática a figura de Rui Moreira no Porto.

Conhecendo-se o crescente alheamento dos eleitores pela vida política, praticamente restrita aos partidos, é importante perceber a relevância da contribuição dos independentes para a qualidade da democracia e participação no processo de decisão local.

Aceito Hannah Arendt quando afirma que a política trata da convivência entre diferentes. Os cidadãos e cidadãs organizam-se politicamente para temas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. A política está estreitamente ligada ao poder. E o modelo democrático tradicional de organização com vista a alcançar o poder político é o do sistema partidário.

Merecem reflexão os estudos referentes ao funcionamento interno dos partidos políticos por Ostrogorski, Michels e Weber, convergindo no perigo para o sistema democrático em ter um modelo de partido caracterizado pela perpetuação de seus dirigentes, o estabelecimento de uma oligarquia dominante e a ausência da participação interna por parte da base do partido. O fenómeno da burocratização dos partidos políticos – oposto à democracia interna – gera dirigentes que são seguidos não como uma ação altruísta, mas pelo facto de que com a vitória do líder esperarem obter benefícios pessoais, como cargos ou outras vantagens; quem é visto como possível alternância é de imediato purgado.

Este é um problema marcante de muitas concelhias partidárias. O líder perpetua-se e vai elaborando listas em função dos que agradam, não pela competência mas pela fidelidade pessoal. A limitação estatutária dos mandatos é contornada pela rotação entre a presidência e vice-presidência. Admito que a ambição inicial pelo poder vai sendo substituída ao longo de tempo pela crença na insubstituibilidade, que são os únicos capazes de ocupar o lugar. Só descobrem que isso não é verdade quando arriscam a demissão, na convicção que logo serão repescados em glória, o que não acontece, pois tudo continua a funcionar. Há exceções, claro, mas de políticos de outro nível como Sá Carneiro e Mário Soares.

A seleção local dos candidatos às juntas de freguesia e municípios por parte das concelhias com base na confiança pessoal do chefe e não por mérito, tem permitido o surgimento de candidatos supostamente independentes. Mas nem todos o são, porque um político independente ou apartidário é aquele que teve um percurso político sem envolvimento partidário. O que temos visto é políticos partidários ou apoiados por partidos que, quer por mera ambição pessoal ou porque se sentem excluídos pela concelhia com base em critérios que não têm a ver com a competência, concorrem contra os partidos de base. Serão legitimamente candidatos sem apoio partidário mas não independentes.

As caraterísticas destes eleitos fora do domínio dos partidos acaba por revelar a sua reduzida independência e, assim, o seu contributo é pouco determinante para satisfazer as necessidades dos cidadãos que estão descontentes com o funcionamento atual da democracia.

Dado o espartilho das organizações partidárias, o papel da sociedade civil para a eficácia das políticas públicas locais passa mais por uma intervenção que não se prende com a ascensão ao poder autárquico. A diversidade, o dinamismo, a capacidade de intervenção gera-se pelo empenho associativo, religioso e empresarial. Nas instituições como as Misericórdias não havia necessidade de limitar os mandatos, aqui não há lugares a distribuir e quem lidera fá-lo sem interesse pessoal.

Mesmo sem pretensão de poder, como nos orienta o Papa Francisco, “envolver-se na política é uma obrigação do cristão”, porque a política na sua dimensão correta “é uma das formas mais elevadas de caridade, visto que procura o bem comum”.


Autor: Carlos Vilas Boas
DM

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1 setembro 2021