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Os fogos, sempre os fogos

Com a chegada do Verão, período do ano muito almejado por todos, associado ao bom tempo, calor e férias, chega também inevitavelmente a época dos incêndios. Este ano não constituiu exceção. Desde o tristemente célebre ano de 2017 que não ardia tanta floresta em Portugal. Naquele ano arderam mais de 500.000 hectares (ha) de floresta e morreram 114 pessoas, vítimas diretas dos incêndios. Este ano já ultrapassaram os 100.000 ha. Em termos de perdas humanas felizmente o número de vítimas mortais não tem comparação, cifrando-se em três.

Para além da área florestal e terrenos agrícolas ardidos, há ainda a somar as edificações, viaturas, máquinas e equipamentos perdidos. Depois temos os enormes custos que os combates aos incêndios originam ao país. Milhares de bombeiros, técnicos de outras entidades, autoridades, carros, aviões, combustível, designadamente. Todos os anos há um verdadeiro exército mobilizado a combater os fogos. São recursos canalizados para o combater ao fogo que consome as florestas do país que, se não fossem os incêndios, estariam ocupados com outras coisas, também importantes, certamente.

Mais grave que isso são os custos ambientais que o país sofre. A paisagem afetada por anos e anos. A destruição de ecossistemas complexos e raros; a perda de pastagens, culturas e animais (onde se incluem as abelhas e o mel). Proprietários e empresários que ficam materialmente e emocionalmente afetados. Enfim uma verdadeira tragédia humana, social e material. Ainda poderíamos trazer à colação o número de mortes associados às ondas de calor que também são cada vez mais frequentes. Este ano estima-se em mais de 1.000 mortos associados ao calor extremo que se fez sentir.

Esta é uma situação que se repete incessantemente, sem fim à vista. Parece uma inevitabilidade. Fala-se em alterações climáticas (geradas pela ação humana) que dão origem a ondas de calor cada vez mais prolongadas. Tudo verdade. Mas isso não explica tudo. Aliás, só explica uma pequena parte.

Por outro lado, também sabemos que o despovoamento das áreas do interior, onde se situa a floresta, conduziu a que a mesma se apresente sem qualquer manutenção, com o crescimento de matos e ervas de forma descontrolada. Também a monocultura florestal (de eucalipto designadamente) e a falta de ordenamento da mesma se apresentam como fatores que potenciam os fogos.

Um incêndio tem sempre uma ignição associada. E só num número muito reduzido de casos é que a ignição resulta de um fenómeno natural (uma faísca, por exemplo), de um acidente (um cabo elétrico que quebra) ou de um azar (um raio de sol a incidir no fundo de uma garrafa abandonada num ermo).

A esmagadora maioria dos incêndios resulta da intervenção humana, sendo que, de forma completamente incompreensível para mim, uma parte significativa, senão a maior parte, tem associada uma mão criminosa. Embora a Comissão Técnica que em 2017 analisou os fogos de junho desse ano na zona centro do país que provocaram várias dezenas de mortos, considerasse que a origem criminosa dos incêndios é um “mito profusamente difundido pela comunicação social” e inadvertidamente aproveitado pelos agentes políticos, sublinhando que 98% das ignições têm origem humana, na sua maioria devido a acidentes e negligência.

Não concordo, os incêndios transformaram-se numa fatalidade que a mim e a todos os portugueses preocupa bastante. Da análise (empírica) que faço, a maior parte dos fogos resulta de uma intenção criminosa e, mesmo quando se afirma que é fruto da negligência, esta roçará então o dolo eventual, qualificação jurídica que se aplica àqueles casos em que o autor do crime, não pretende aquele resultado (provocar o incêndio), mas se o tivesse ponderado, não recuaria no comportamento que o provocou. Aplica-se aos casos em que alguém faz uma fogueira para um churrasco no meio de uma floresta e no fim vai-se embora, ou de alguém que utiliza certas alfaias agrícolas em dias de grande calor (motoroçadoras, corta-matos, destroçadores e grades de disco). É o que também pode ocorrer se lançarmos foguetes em dias de grande calor, numa festividade local.

Mas, mesmo assim, para mim, a maioria resulta da intenção de querer provocar o incêndio e ter o comportamento adequado para o conseguir. Mas porquê é a pergunta que fazemos?

Porque razão se pega fogo às florestas?


Autor: Fernando Viana
DM

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3 setembro 2022