twitter

Os Espiritanos no Nordeste de Angola

Antes da independência de Angola, os Espiritanos, Congregação Missionária do Espírito Santo, tiveram uma forte presença no nordeste deste país, destacando-se principalmente na Lunda, quer nas Missões, quer na extensa área da Companhia de Diamantes de Angola (Diamang). É de toda a importância referir a ação missionária que ali desenvolveram em espírito de missão ecuménica, convivendo com outras religiões e fazendo o entrosamento étnico dos povos locais, trabalhando em condições, por vezes, muito difíceis e adversas, considerando os meios materiais existentes ao tempo. Enfrentaram imensas dificuldades para fazerem face às necessidades quotidianas, adaptando-se à alimentação dos autóctones, tendo em conta a ausência inicial de vias de comunicação e a falta de meios para responderem às prioridades das populações de etnia diferente, sem interferirem na ancestralidade dos costumes. Mesmo assim, a sua atividade de evangelização e social foi meritória, persistente e marcante entre os povos de todas as etnias. Estas, com origem diferente, obrigou-os a uma vivência polifacetada com grande sentido comunitário adequado à realidade da diversidade geográfica, mas transmitindo ensinamentos de acordo com cada cultura étnica. Os quiocos (cokw), nómadas, guerreiros e caçadores, dominavam em maioria a região, estando também presentes luluas e balubas. Os missionários Espiritanos instalaram-se em Saurimo (Henrique de Carvalho) em 1930, irradiando daí para diversas partes da Lunda, deslocando-se, a partir de 1935, dois missionários periodicamente ao Dundo. Em 1940 o Padre Pompeu de Sá Leão e Seabra tornou-se no primeiro capelão da capela de Nossa Senhora da Conceição, no Dundo, sede administrativa e mineira da Diamang, com quem convivi e acompanhei em diversas visitas às comunidades quiocas, após ter chegado à Lunda a 23 de março de 1960, indo ocupar uma casa de “pau a pique”, na região de Chambuage, enquanto não foi construída a primeira casa de construção definitiva na cidade de Lucapa. D. Pompeu e Seabra foi o primeiro Bispo da Diocese de Malanje, sagrado naquela cidade em 10 de março de 1963. É de realçar a atividade dos Espiritanos na Diamang, pois aí desenvolveram uma ação missionária notável, dedicada às populações autóctones, respeitando com proximidade e afeto os costumes locais e levando a efeito iniciativas enquadrantes dentro das etnias geográficas dos povos ali implantados. Instalados no Dundo e N´zargi (Vila Paiva de Andrade) e mais tarde no Lucapa, destacando-se, entre outros, Tiago Brendel, António Cardoso, José Barroso, João Domingos e, mais tarde, Casimiro Oliveira, Américo Alves e José Castro. Este foi vítima de uma mina em 1980, quando das lutas entre o MPLA e a UNITA no planalto central, que o deixou em estado grave. Felizmente, recuperou e voltou a Angola em 1981, tendo regressado a Portugal em 1982, onde ocupou o lugar de Capelão no Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo. D. Pompeu e Seabra, falecido em 1973, lutou pela criação da Diocese da Lunda, em Saurimo, o que veio a verificar-se em 10 de agosto de 1975, tendo como primeiro Bispo D. Manuel Franklin Costa, que foi impedido politicamente pela PIDE de regressar a Angola em 1958, quando se encontrava em Portugal a acompanhar o Arcebispo de Luanda D. Moisés Alves de Pinho, tendo ficado instalado nos jesuítas em Soutelo (Vila Verde), e só regressou a Angola em setembro de 1974. Ao ser nomeado Bispo da Diocese de Saurimo encontrou sérias dificuldades, tendo solicitado, através de ofício dirigido à Direção-Geral da Diamang, sendo nós Diretor-Geral e Administrador na Lunda, a cedência de dois padres para instalarem a estrutura inicial da Diocese, o que se atendeu de imediato, mediante a deslocação dos padres José de Castro e Américo Alves, tendo sido este designado mais tarde Vigário-Geral da Diocese de Saurimo. Deve-se ao Padre Américo Alves a fundação da igreja do Lucapa, hoje Senhora do Rosário de Fátima, tendo-lhe sido cedido terreno, quando voltamos a Angola entre 1990-92, como Diretor-Geral do Contrato SPE / ENDIAMA. Atualmente, Lucapa, fundada em 1960, é uma importante cidade da Lunda Norte. Este testemunho reflete a gratidão da população autóctone (quiocos), portugueses e de outras nacionalidades, aos Espiritanos, que na Lunda deram o seu melhor a bem de Angola e da sua população, continuando ainda ali em missão de evangelização, com respeito e solidariedade num país livre e independente. Este apontamento histórico homenageia também os Espiritanos em Portugal, que em 3 de novembro de 2017 festejam 150 anos da sua chegada ao país e que tiveram recentemente um voto de louvor, por unanimidade, na Assembleia da República.
Autor: Bernardo Reis
DM

DM

3 novembro 2017