A vinda Marcelo Rebelo de Sousa, em 17 de Fevereiro, para inaugurar os encontros/debate sobre problemas candentes dos nossos dias que, como cristãos, queremos sejam esclarecidos e aprofundados, a fim de sabermos dar razões da nossa fé, levou-me a tentar definir algo melhor o que entender por 'Ágora'. Vi que várias pessoas não conheciam a palavra e o seu significado.
'Ágora' é uma palavra grega transliterada em grafia portuguesa e pronunciada também como se pronuncia em grego. O seu significado é: «praça principal das antigas cidades gregas, local em que se instalava o mercado e que muitas vezes servia para a realização de assembleias do povo, formando um recinto decorado com pórticos, estátuas, etc. Era também um centro religioso». (Dicionário de Houaiss). O da Porto Editora diz simplesmente: «praça pública dos gregos, semelhante ao forum romano, em geral de forma quadrada».
A palavra grega 'ágora' aparece 10 vezes no Novo Testamento: 3 em Mateus, 2 em Marcos, 3 em Lucas e 2 nos Actos dos Apóstolos. Nas bíblias mais divulgadas, a tradução é quase sempre: «praça ou praça pública». Frederico Lourenço também traduz assim. Das 8 vezes que aparece nos evangelhos, só a passagem de Mateus 20, 3 é que traduz por 'ágora', referindo-se aos operários que esperavam na 'ágora' que alguém lhes desse trabalho. Mas é sobretudo nas duas passagens dos Actos dos Apóstolos que tem mais pertinência verter por 'ágora' ou 'forum'. É o que faz José O'Callagham na edição em grego-espanhol do Novo Testamento. Em 16, 19, traduz assim: «arrastaram-nos (a Paulo e Silas) até ao foro, diante dos magistrados». Em 17, 17, na famosa passagem antecedente ao discurso no Areópago de Atenas, traduz: «Já em Atenas, enquanto esperava (a chegada de Silas e Timóteo) irritava-se Paulo no seu íntimo ao ver como estava cheia de ídolos a cidade. Discutia, pois, por um lado, na sinagoga com os judeus e com os adoradores de Deus, e na 'ágora', cada dia, com os que ali se encontravam».
Parece ficar bem clara a distinção entre a discussão dentro da sinagoga, com os crentes, e na 'ágora' ou praça pública com os que lá se encontravam. É isso que se pretende com os encontros que terão lugar em 17, 24 e 31 de Março, e se procurou também com o testemunho do cidadão e cristão Marcelo Rebelo de Sousa, neste momento exercendo as funções de Presidente da República.
O que passou para os meios de comunicação social de grande divulgação foi apenas uma pequeníssima passagem, aliás perfeitamente colateral, sobre a afirmação de que não escreveria as suas memórias, uma vez que cessasse funções presidenciais. Viram nisso uma indirecta ao primeiro volume de Memórias de Cavaco Silva que acabava de ser apresentado publicamente. Outra informação dizia respeito a se gostaria de vir a ser designado, futuramente, como o 'Presidente da Geringonça' ou o Presidente dos afectos e da descrispação.
As mais de duas horas que durou a sessão, sendo que mais de uma hora foi em diálogo a partir de perguntas apresentadas por escrito por membros da assembleia ali presente, e reunidas em blocos pelo moderador, Cónego João Aguiar, propiciaram informações muito ricas e desafiantes. Se no passado recente havia mais cristãos empenhados na política que não escondiam a sua identidade cristã, embora militando em partidos diferentes, apesar da formação católica, hoje é mais difícil encontrar nomes de pessoas com gabarito que assumam explicitamente a sua matriz e inspiração cristã. E a política só se nobilitará se os melhores nela participarem. «Les absents ont toujours tort = os ausentes nunca têm razão». No futebol, há derrotas pesadas por falta de comparência ao jogo. Na política, não será diferente. Os cristãos católicos têm de participar muito mais na vida pública.
Para mim, uma das mais agradáveis surpresas foi a quantidade e a qualidade das perguntas formuladas, bem como o facto de o Presidente ter respondido a todas elas. Esse exercício é um sinal de que estes encontros podem ser o despertar de consciência para a necessidade e urgência de marcar presença, não para impor a nossa crença e os valores que nela assentam e dela derivam para a acção concreta, mas para que, pela maneira como os vivemos, os tornemos interpeladores, sedutores e atractivos. Os valores não se impõem; propõem-se, se possível de forma cativante.
Quem, felizmente, tem fé, sabe e acredita que há um Deus que tem como prioridade absoluta o ser humano. Este será realmente feliz se seguir os seus mandamentos, pois sabe que não é o homem a norma de si próprio. Não é auto-referencial. Aqui deve assentar a nossa diferença.
Autor: Carlos Nuno Vaz